A arte do bonsai: o que tem isso a ver com você?

(Por João Zuccaratto)

Faz tempo, na caminhada matinal pela Praia de Camburi, em Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, em bate-papo comigo mesmo, me perguntei: “O que os orientais quiseram expressar quando criaram o que é hoje conhecida como a arte do bonsai?”

Por que pegar o broto de uma árvore e, ao longo de décadas, com técnicas especiais, impedir seu desenvolvimento normal, transformando-a num lindo bibelô? Qual o objetivo desta ação? Qual o significado de se cercear a grandiosidade de um ser vivo?

Num instante, um insight iluminou minha mente tal qual o nascer do Sol clareava o dia. Senti quase uma epifania, uma espécie de manifestação divina. Como não ter pensado naquilo antes. A verdade está à frente de todos. Mas só será revelada no fim deste texto.

Primeiro, fui atrás de saber se alguém já tinha descoberto, ou expressado, o que havia sintetizado. Afinal, sendo tão simples, outros poderiam ter visto a mesma coisa. Para verificar rapidamente, usei os recursos de busca oferecidos pelo ambiente da Internet.

Pesquisando a partir dos termos “significado do bonsai”, não encontrei nada similar à minha síntese. As explicações focam apenas ao aspecto do que se vê. Mas fala-se que, quem pratica a arte do bonsai, tem aumentado o seu autoconhecimento, por exemplo.

Está aí uma primeira prova da correção da interpretação que fiz. Entretanto, fica a pergunta: por que alguém, ao desenvolver a arte do bonsai, alcança maior conhecimento de si mesmo? Ora, porque isto está intrínseco ao significado, como veremos lá adiante.

No dicionário, bonsai é identificado apenas por um elemento de decoração. E descrito como árvore anã, obtida a partir de espécimes normais. Criada em vasos de se cultivar flores, o nanismo é fruto do corte de raízes, poda da ramagem e condução dos galhos.

Na verdade, bonsai é muito mais que isso. E tem tudo a ver com qualidades que o ser humano vai agregando com o passar da idade. Como bons exemplos: amadurecimento, aprendizado, compreensão, dedicação, empatia, espera, foco, paciência, trabalho etc.

Bonsai é uma palavra japonesa formada pelos termos bom e sai. Bom significa vaso; e sai significa árvore. Assim, bonsai pode ser traduzida por árvore num vaso. Chegou até nós como uma arte, ou técnica de construção, cujo resultado são plantas em miniatura.

Isto é alcançado com anos e anos de abnegação, tanto da planta quanto da pessoa que a ela dirige sua dedicação. Raízes e galhos são amputados periodicamente. Tronco e copa, desbastados assiduamente. Tem momento para começar, mas pode nunca mais terminar.

A finalidade é conseguir um ser adulto, de proporções reduzidas, com todas as marcas advindas do crescimento e envelhecimento de um vegetal normal. E que mantenha suas capacidades inatas de florir e gerar frutos, se for o caso. Perfeccionismo por completo!

Em relação à arte do bonsai, não faltam conotações filosóficas e religiosas. Mas, mesmo diante do pouco encontrado, continuo a confiar na elaboração que alcancei. Ainda mais pelo que garimpei sobre esta outra riqueza milenar criada no Oriente e herdada por nós.

As primeiras referências à arte do bonsai vêm da China, de três séculos antes de Cristo. São duas imagens: a primeira, um homem criando no pequeno espaço de uma bandeja uma impressão de imensidade; a outra, uma mulher carregando um bonsai com as mãos.

Apesar de, atualmente, a arte do bonsai estar intimamente ligada apenas à rica cultura japonesa, sua origem primordial é hindu. Da Índia, foi levada para a China e só depois chegou ao Japão. A partir desta última nação, ela se popularizou para todo o Ocidente.

Tendo sido criada e iniciada pelos hindus, copiada e disseminada pelos chineses, acabou como elemento fundamental da vida dos antigos japoneses. Para eles, cultivar bonsai era mais que obrigação de homens ou mulheres, nobres ou plebeus, guerreiros ou monges…

Deixando de lado os variados aspectos técnicos da construção de um bonsai, e optando pelos significados abstratos a ela associados, fica clara a semelhança entre uma planta limitada a um pequeno espaço com a revelação expressa na conclusão deste meu texto.

Mesmo com a arte do bonsai presente hoje pelo mundo todo, é difícil para nós, pobres ocidentais, percebermos as dimensões contidas nesta prática. Já, para os orientais, ela expressa aspectos de espírito onde a existência é capaz de estender-se bem além do eu.

Um conceito fundamental é o do bonsai-do. Em japonês, a palavra do, pronunciada , tem os sentidos de caminho, direção, trajeto. E, assim, a interpretação do bonsai-do nos remete a uma longa viagem com sentido ao nosso eu, ao nosso imo, ao nosso interior

Bonsais estão ligados ao taoismo, a filosofia criada por Lao-tsé, no século VI antes de Cristo, e aprimorada por Tchuang-tseu, no século IV antes de Cristo, ambos chineses. Taoismo vem de tao, caminho universal e harmonizador do material com o imaterial.

Mais precisamente, o bonsai apresenta o wabi do taoismo. O sentido literal de wabi é pobreza. Em termos artísticos, intelectuais, pessoais, mostra ausência de adornos em excesso, pompa na autoestima. Tem a ver com uma vida em humildade, simplicidade.

Ainda do taoísmo, os bonsais trazem o sabi. Sabi denota charme pessoal, e também solidão. Em sentido estético, e com significado ampliado, traz elementos vinculados ao tempo, à experiência. Pode-se afirmar que sabi é o charme aprimorado com o viver.

Todo bonsai está integrado à forma de um triângulo. Uma das pontas representa a terra; outra, o homem; e a terceira, a divindade, o Deus de cada um. O bonsai permite a união dos três, concretizando a alegoria de conduzir o homem do solo ao espaço espiritual.

Ao lado dos arranjos florais, os japoneses usam bonsais para adornar o que chamam de tokonoma. Estes são pequenos altares presentes nas casas de família. Ali colocados, os bonsais têm o objetivo de expressar o culto ao mais profundo sentido espiritual da vida.

Dos séculos XVII, anos 1700, a XIX, anos 1800, no Japão, valorizou-se tanto bonkei, paisagens pintadas no fundo de bandejas, quanto bonsais. Aqueles remetem à natureza: água, areia, montanha, vegetação etc. Estes, simbolizam o ser: criatura, humano, pessoa.

Para os antigos, a técnica de construção do bonsai é vista como a única arte dominada pelo homem atrelada a quatro dimensões: altura, comprimento, largura e tempo. As três primeiras podem ser alteradas e controladas por nós; sobre a última não temos poder.

E tempo, aqui, deve ser visto como vida, pois os bonsais, como seres vivos, variam com o passar dos anos. Nascem livres, mas crescem sob o jugo de um feitor. E não têm como se livrar daqueles condicionantes impostos pelo homem. Já o tempo… O tempo controla.

Tempo, vida. No Japão, diz-se que todo bonsai é algo iniciado por alguém cujo filho continuará o treinamento para ser apreciado pelo neto. E concluem: “Seremos imortais à medida que nossos bonsais, sendo muitos ou poucos, sejam valorizados por terceiros”.

Treinamento. Esta é a base de qualquer arte. Todos nós temos dons, mas eles, por si sós, nada criam. Criar é prática diária, aperfeiçoada frente às dificuldades. Vale também para a nossa vida. Ela não é como a desejamos, e sim como se apresenta instante a instante.

Determinação, disciplina, humildade, observação e paciência são tão preponderantes em nossas vidas como para se ter sucesso no aprimoramento de um bonsai. E, como bem sabemos, é um composto de qualidades só alcançado após longos anos de maturidade.

Note que a árvore, como ser vivo, objeto da técnica do bonsai, não pediu para passar por aquele processo. É obrigada a aceitá-lo. Entretanto, não o faz passivamente, como possa parecer. Tenta crescer. E consegue maravilhosamente, vencendo as fortes limitações.

Já chegando à conclusão da minha pesquisa, fiquei bem surpreso com a interpretação de um ocidental para a arte do bonsai, expressa ainda no século XIX, anos 1800. Foi a que mais chegou perto deste meu entendimento, agora dividido com cada um dos leitores.

Paul Claudel, então embaixador da França no Japão, certo dia, foi apresentado a um grande bosque de bonsais, todos de Acer, árvore de folhas irregulares, muito comum naquele país — tanto que seu nome foi utilizado para batizar uma marca de eletrônicos.

Frente àquele conjunto de criaturas diminutas, organizadas como só os japoneses sabem fazer, revelou para todos que o acompanhavam: “Diante desta expressão de tanta beleza, não posso deixar de imaginar a mim mesmo como uma dessas pequenas criaturas”.

E foi esta a minha síntese, no momento em que pisava com os pés descalços a areia grossa da praia, lavada pelas águas do mar, vindo e voltando em ondas regulares. O bonsai é a mais cabal representação da trajetória do homem na sua vida em sociedade.

Tal qual uma árvore, ao virmos ao mundo, estamos prontos para crescer sem barreiras. Soltos no universo, não teríamos qualquer limite para a expansão do eu, do ego, da individualidade. Somos assim quando bem crianças. Só buscamos a nossa satisfação.

Conforme ganhamos idade, deparamos com os limites impostos pela convivência com os outros. Primeiro, pais e parentes; depois, vizinhos, amigos e colegas de escola; mais adiante, companheiros de trabalho, líderes espirituais; por fim, cônjuges, filhos, netos…

Tabus primordiais, preceitos religiosos, regras sociais, limites culturais, leis escritas e diversos outros cerceadores trabalham diuturnamente a arte do bonsai na personalidade do homem: amputam raízes, castram caules, podam ramagens, oprimem folhagens…

Ou seja: a estrutura da sociedade pratica a arte do bonsai em cada um de nós, a cada segundo da nossa existência. E todos nós fazemos a mesma coisa àqueles com os quais convivemos. Se somos reprimidos, reprimimos também. Não há como fugir desta sina.

O resultado de todo este processo é que, em vez de nos tornarmos gigantes individuais, acabamos como anões sociais. Como um bonsai, ficamos adultos, mas com proporções reduzidas, trazendo todas as marcas de crescimento e envelhecimento de um ser normal.

E aí reside um grande segredo: os bonsais, mesmo aqueles menos perfeitos, depois de terem sua vida cerceada, dominada, guardam por completo suas características originais de quando surgiram no mundo. Inclusive capacidades de produzir flores e gerar frutos.

A planta nada pode quanto às imposições externas, sobre a quais não tem controle. No embate entre o ímpeto da própria genética com as obstruções do meio ambiente, ela sobrevive porque se adapta. E evolui porque preserva sempre o que tem de melhor.

Há um aprendizado da árvore para se manter viva frente às restrições. E um outro do homem para controlar a expansão da planta sem deixá-la desaparecer. Até parece ser subjugada pelo algoz. Não é verdade! A preservação das suas qualidades desmente isso.

Assim também é com o ser humano. Não importa as dificuldades antepostas ao seu pleno desenvolvimento, sejam estas físicas ou mentais. Dentro de si, no seu cerne, estão guardadas suas melhores características. Só depende de cada um fazê-las florescer.

PS

Tenho intenção de usar este texto para produzir um livro. Será tipo table book, aquelas obras normalmente decorando mesas de centro. Capa dura, miolo em couchê, todo em cores. As páginas trarão fotos de bonsais, com os parágrafos vazados nas imagens.

Por isso, registrei este conteúdo junto à Biblioteca Nacional, garantindo a propriedade intelectual do mesmo, estando de posse do documento comprobatório. Reproduções de parte ou todo, só com autorização por escrito e obrigação de citar o nome do autor.

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