A Sardenha, o Tirreno e a Tavolara

Antes de receitarem qualquer remédio bravo, os médicos poderiam sugerir aos pacientes — doentes com algum tipo de enfermidade conhecida apenas com um ponto de interrogação — um banho de mar. Quero dizer: ir para o meio de um oceano, mergulhar e nadar com os peixes. Apenas se entregar nos braços marinhos. E se permitir, por si mesmo, uma ligeira dose de bem-estar.

Os últimos diagnósticos médicos davam em incógnitas: depressão profunda? Coração disparado? Ops! Medicamento para evitar ataque cardíaco. Terapia. Massagem. Dor aqui e acolá. Sequelas físicas do passado. Uma pausa no trabalho, nos estudos, nas viagens, nos amigos, na escrita, no Clube. E, nessa, a vida parada, por quase completo. Ainda assim, exames clínicos bons.

— Então, o que tenho? — pergunto com os olhos arregalados, avermelhados e inchados pelo choro melodramático insuportavelmente irritante.

— A sua mente está matando você — disse a doutora distantemente e piedosamente encarando-me.

— Você precisa continuar em terapia. Vamos encaminhá-la para…

Bom, eu costumo mudar as rotas e “sumir”, nas palavras dos amigos. Fui para a Sardenha sem expectativas. Ah! Claro. Lembrei, ao menos, de levar um par de chinelos, um biquíni e um maiô. Fazia tempos que a Maya e o Cláudio nos convidavam para visitá-los “no mar”.

“Deprimida”, aterrissamos em Olbia e seguimos para Porto San Paolo. Era noite. O cheiro da ilha, o ar e o vento anunciavam a chegada ao — mais tarde passei a me referir assim — paraíso. À nossa frente, outra ilha, a Tavolara. Tentei me localizar geograficamente e logo pensei no nascer do Sol.

Incrivelmente, em três décadas de verões paradisíacos, os meus amigos nunca tinham visto o Sol nascer. Simplesmente porque não conseguem acordar cedo. Tudo bem, é compreensível. O nascer do Sol é só a cereja em cima de um bolo delicioso, porque o sabor dele já está em tudo.

Na manhã seguinte, levantei silenciosamente e fui para a varanda com vista magnificente. A cena prosseguia com os primeiros raios do Astro Rei surgindo por de trás da Tavolara, iluminando o verde esmeralda do Tirreno. Ainda de camisola, sem nem me preocupar em lavar o rosto ou qualquer rotina matinal, permaneci boquiaberta observando aquele espetáculo silencioso da natureza.

Tomei o celular e fotografei a cena. Escovei os dentes, coloquei um biquíni e saí pelos caminhos da vila dando para o oceano. Olha! O mar de uma ilha é fascinante. Caminhei pelas pedras, pois há pouca areia naquela região. No início, incomoda; depois, serve como massagem nos pés. Que delícia! E de graça.

Água de mar em verde transparente, peixinhos circulando por perto, silêncio, sinfonia apenas das ondas, dia ensolarado…. Andava. Sorria para o horizonte, enquanto uma explosão de contentamento surgia dentro de mim.

Depois de quase duas horas, voltei para casa e preparei um café. O pessoal ainda dormia. Meu parceiro, em um sono reparador. Achei um pedaço de papel e caneta. Em um silêncio profundo comigo mesma, desenhei, ainda que eu não tenha costume de desenhar.

Nas manhãs seguintes, fazia este ritual quase involuntário. Apenas, no lugar de desenhar, lia, escrevia ou permanecia em silêncio observando e ouvindo tudo à minha volta.

Podia dormir tarde da madrugada que, às 6 horas da matina, algum sopro divino me despertava. Via o Sol nascer, saudava a manhã, alongava o corpo e caminhava pela praia com os pés nas águas cristalinas. Brincava com a minha sombra, descobria novos caminhos por entre as pedras e matos. Tinha uma energia fora do comum.

À tardezinha, de barco, seguimos para o mar. Que cor maravilhosa! A transparência é contínua. Quando paramos e lançamos a âncora, fui tomada pelo desejo absoluto de me jogar naquela água cristalina. Mas, ao mesmo tempo, um medo absurdo fazia-se presente. Que mistura de adrenalina e quaisquer outros tipos de substâncias produzidas pelo corpo em um momento de euforia.

Daí, aprendi que o medo deve ser usado a nosso favor. O pé de pato nos dá força para seguirmos. E a máscara e o tubo nos indicam que, se soubermos respirar tranquilamente, podemos chegar a qualquer lugar. O medo já tinha; para as tardes seguintes, providenciei os equipamentos necessários. Agora, posso levá-los para outros mares.

Eu me joguei de cabeça. Levei comigo o impulso suicida e quaisquer outros pensamentos estranhos rondando minha cabeça. O máximo podendo acontecer seria morrer afogada. Aliás, se o adágio é para suicídio, por que não o compor de fato?

Engana-se. Você emerge das águas com uma força incontrolável. Uau! Esse foi o meu primeiro nado em mar aberto. É de perder o fôlego. Incrível. Ok! Já tinha feito um mergulho, antes do acidente, no mar de Maragogi, no Brasil; mas foi com instrutor coligado e tipo “passeio turístico total”. Foi uma experiência fantástica. Mas, cá entre nós, prefiro lugares menos populosos.

Enfim, no Tirreno, entre as ilhas Sardenha e Tavolara, foi a primeira vez em que eu me senti livre de verdade.

Fato que, na esperança de me encontrar, ou na busca pelo equilíbrio entre mente, corpo e alma, costumo ir para lugares extremos. Até percorri, sozinha, uma parte do Monte Rosa. Com a neve alta, tentava entender o que as canções do vento nas árvores queriam me dizer. Gosto do frio, da neve, da montanha. Mas, devo dizer que encontrei nas águas esmeraldas da Costa Corallina e Isola Tavolara um soro há tempos camuflado por mim mesma.

Nos dias na Sardenha, esqueci da medicação. E não fez falta. Sorri. A vermelhidão nos olhos era por ficar horas na água salgada. As crises ou qualquer surto de dor ou loucura deram uma trégua. Talvez, simplesmente, retirei do fundo oceano uma das Edsandras que, acidentalmente, arranquei de mim.

Quero dizer, se eu conseguir me despertar, conscientemente, seja na Sardenha ou em qualquer outro canto do mundo, creio que não precisarei de nenhum outro tipo de medicação arrebatadora. A não ser o meu próprio eu, o meu próprio sentido de ser, de existir e de viver.

Tomei a primeira dose de algo que me fez bem.

Pode soar piegas. Todavia, e você? Que tal, antes de tomar o próximo comprimido ou gota, buscar um mergulho, uma caminhada, um salto “bungee-jump”, uma escalada, uma viagem para a cidade vizinha? Independentemente da sua condição financeira ou psicológica, que tal apenas tentar? Seja qual for a cura, ela já está no nosso caminho. Esteja apenas aberto para aventurar-se.

Setembro de 2016

Foto da autora
Edsandra Carneiro escreve, quinzenalmente, às quartas-feiras.

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