Animais abandonados e adoção irresponsável

Uma amiga ficou chocada com cena que presenciou numa feira de adoção de animais, em Vitória. Disse-me ela: “A menininha saiu levando o cachorro pendurado pela patinha, como se carrega um chaveiro”. E constatou: “Aquele filhote, com poucos dias de vida, provavelmente morreria devido à falta de cuidados adequados, ou seria abandonado”.

Não duvido das boas intenções de Prefeituras, ONGs e protetores, ao promover iniciativas como essas. Mas discordo da forma como são realizadas. Nos dias antecedentes, os animais são “preparados”: tomam banho, são tosados, ficam cheirosos… Uma gracinha! Alguns ganham até roupinhas.

Chega o tão esperado evento e eles ficam expostos em gaiolas, como objetos numa vitrine. Geralmente, as feiras são realizadas em fins de semana. Assim, fica mais fácil atrair a atenção das famílias durante o passeio dominical. É claro que as crianças, encantadas com os lindos bichinhos, rapidamente conseguem convencer os pais.

Só que, nota-se, a maioria saiu de casa sem a intenção de adotar coisa alguma. Mas o processo é tão simples! Nada daquela burocracia, anos de espera, seleção rigorosa, inúmeras visitas e entrevistas que precedem a adoção de crianças.

Para levar um cachorro ou gato para casa, basta ser maior de 18 anos, apresentar Carteira de Identidade e Comprovante de Residência, preencher uma ficha com dados pessoais e pronto! A pessoa está apta a oferecer um lar para o animalzinho abandonado. Será?

Alguém é capaz de dizer quantos cães e gatos, adotados dessa maneira, estão felizes em seus novos lares? Não! Ninguém tem esse controle. Veja o desabafo de uma protetora: “Recebo pouquíssimos e-mails com relatos de bichinhos bem adotados. Em 40 casos de adoção, por exemplo, tenho retorno de apenas quatro”.

Não raramente, ONGs e protetores passam pela terrível experiência de recebê-los de volta. E o mais triste é que, a partir do segundo abandono, muitos ficam com sequelas emocionais irreversíveis. Será que as adoções, da forma como vêm sendo conduzidas, estão realmente salvando vidas ou apenas prolongando o sofrimento dos animais?

O próprio Estado dá o mau exemplo, ao simplesmente ignorar o problema: não recolhe, pois não tem abrigo, mas também não castra nem oferece serviços veterinários. Qualquer cidadão, ao ver um bichinho sofrendo na rua, só tem duas opções: ignora ou leva para casa.

O processo de adoção exige critérios rígidos, incluindo checagem dos antecedentes do candidato, visitas prévias à casa ou ao apartamento no qual o animal ficará e assinatura de um Termo de Posse Responsável. Deve ser verificada a segurança do ambiente e avaliada a nova situação, no mínimo, pelos três meses seguintes.

É ilusão achar que vamos conseguir lares para os milhares abandonados, perambulando por ruas, parques, terrenos baldios… Por isso, é preciso buscar soluções alternativas. Como exemplo, cito projeto instituído pela Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio de decreto, em fevereiro de 2004. Trata-se do  “Animal Comunitário”,  assim considerado “aquele  que, apesar de não ter proprietário definido e único, estabelece com a população do local onde vive vínculos de dependência e manutenção” (não sei se está dando certo ou se é mais uma daquelas leis que ficam só no papel).

Nos casos em que um cão ou gato vive há muito tempo em determinado local público, e já estabeleceu vínculo de afeto com a comunidade, a adoção pode ser prejudicial, pois ele está acostumado e adaptado àquele ambiente. Ali é a sua “casa”. Mas é preciso ser alimentado, castrado, vacinado, vermifugado e medicado quando necessário. Ou seja: receber todos os cuidados de um animal doméstico.

Entretanto, para idosos, doentes, filhotes, enfim, aqueles sem condições de sobreviver na rua, mesmo recebendo cuidados, a adoção – responsável – ainda é a melhor alternativa. Que nossas Prefeituras busquem a solução adequada a cada caso.

(Outubro de 2014)

Foto: Nina Uyttenhove

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