Caindo na real

Divorciada, mais velha que o noivo três anos, filha de uma negra. A atriz Meghan Markle, acostumada a interromper o príncipe Harry quando dão entrevistas juntos, será a responsável por trazer algum frescor à monarquia mais tradicional da Europa.

Ela é dona de um sorriso cativante e ele… Bem, ele é um príncipe! O casal, como dizem, tem química e carisma. O mundo parece adorá-los. Essas características não passaram despercebidas ao rei de um país cuja popularidade andava na casa dos dois por cento.

Ser fotografado ao lado de celebridades internacionais tão queridas, certamente, ajudá-lo-ia a ser mais popular, pensou. Resolveu convidar os noivos para passarem em seu reinado a lua de mel.

— Chamem o responsável pelo cerimonial, ordenou.

— Senhor, ele pediu exoneração para se candidatar ao Senado.

— Chamem o substituto!

— Também sairá candidato ao Governo e o substituto do substituto será candidato a deputado e… Na verdade, excelência, todos se desvincularam. O cargo está vago. Aliás, só tem eu aqui, um simples ajudante.

— Cuide você da organização. Nosso país terá a honra de sediar a lua de mel do casal real Meghan e Harry. Mas, claro!, antes de mandarmos os pombinhos para uma praia paradisíaca, faremos uma festa. Isso vai render fotos e votos para minha campanha. Entendeu?

— Mas quem vai pagar por isso?

— O povo, claro! Você é novato aqui?

— Sim, a maioria se descompatibilizou para…

— Tá, tá. Não importa. Somos o Reinado dos Jeitinhos, você conseguirá. Aliás, pode ser politicamente interessante ter alguém do povo nessa organização. Não economize e lembre-se: nenhum político deve ser convidado. Quero brilhar sozinho. Só chame cabeças coroadas de outras áreas.

— Mas, não tenho a mínima ideia de como é o casal…

— Olha aqui, rapaz — disse, impaciente o rei. E sentenciou:

— Ela é como qualquer garota desse reino: faz chapinha e conseguiu trabalhar na TV, como sonham muitas eleitoras. Ele já foi baladeiro. Até nudes mandou para as súditas. Uma vazou e parou na capa de um tabloide inglês. Então, relaxa, são descolados.

Chegou o dia. Marbela e o rei Treme aguardavam o casal real na porta do palácio, quando este último avistou-os chegando em um carro popular.

— Mas o que é isso? — perguntou ao ajudante.

— Errr… Não sabia qual veículo providenciar, excelência. Perguntei a um político e ele me disse que nossos automóveis eram todos carroças. Me confundi um pouco. Carruagem, carroça é tudo parecido, né?

— Você enlouqueceu? Fica colado comigo e vamos acertando as coisas — grunhiu entre dentes o rei Treme diante do casal real que se aproximava para os cumprimentos.

Antes de entrarem, um grupo apareceu portando uma faixa com dizeres conhecidos da população. Rapidamente, o rei explicou o significado da palavra “Fora” aos príncipes:

— É uma sigla. “Fãs Oficiais do Rei Amoroso”, daí o “Fora Treme”.

Foram conduzidos, então, à mesa das autoridades. Sentaram-se ao lado da rainha Xuxa e do rei Pelé. Sorrindo para o casal real, Tremer tentava disfarçar a raiva com seu encarregado, cochichando.

— E esses dois lugares ainda vazios?

— Eles estão gravando, mas chegam já. São para a Regina Duarte, ela foi a Rainha da Sucata, lembra da novela? Aí, achei melhor chamar também o Antônio Fagundes, o Rei do Gado. Só cabeças coroadas. Como o senhor pediu — revelou o rapaz, crente estar abafando.

— E essa gente toda? Quem são as loirinhas ali? Primas da Marbela?

— Não, são as princesas da Festa da Uva.

— Pelo amor de Deus! E as morenas?

— Rainhas de bateria do Carnaval carioca! O senhor não conhece mesmo seu povo. Não é à toa essa popularidade tão baixa.

— Olha aqui… Bem, as fotos já foram feitas. Mande servir o jantar, para acabarmos logo com isso. Espero não ter mais nenhuma surpresa.

— Tem, sim! Programei uma performance com a Rainha do Bumbum deste ano. Como eles dão muito valor às tradições, ela apenas começa o show. O encerramento é com a eterna Rainha do Bumbum: Gretchen. Ela vai apresentar sua “Conga, conga, conga” com um shortinho escrito Henry.

— Como fui confiar em alguém do povo, meu Deus! Estou tentando entender seu raciocínio. Mas, vem cá, por que a Gretchen e não o Rei Roberto Carlos como atração musical?

— Hellooou! Não reparou como esse príncipe usa marrom… Não ia rolar.

— Isso parece um pesadelo. Você realmente não tem gabarito algum. Não pensou sequer em um convidado da classe A? Uma pessoa viajada, acostumada com o jet set internacional…

— Convidei, mas… Ah! Olha! Ela está chegando e vem na nossa direção.

— Ai, que loucura! — disse a sorridente socialite, abraçando o casal real.

Pela primeira vez, Tremer ouviu algo que fez sentido naquela noite. Pensar que poderia contar com alguém do povo para ajudá-lo a se promover tinha sido mesmo uma loucura.

Martha Aurélia Gonzalez escreve, quinzenalmente, às quartas feiras neste www.clubedecronicas.com.br

imagens:www.eveningstandard.com

Outono,2018