Clube de Crônicas — Interna Corporis

Estrear algo dá sempre um frio na barriga. Com o Clube de Crônicas não foi diferente. Escreve-se para provocar um sorriso, emocionar, fazer refletir e, aí, alguém interpreta como ofensa. A Internet anda cheia de raivosos.

Assim, minhas duas sócias neste blog e eu, ficamos ansiosas antes da estreia. Nada, porém, comparado ao nosso revisor que precisou até buscar ajuda médica. João sofre de uma alergia rara. Tão específica que, com todo o seu conhecimento linguístico, teve dificuldade de explicar ao médico.

— O senhor tem alergia a quê?

— Exatamente, doutor. Na mosca!

— Não entendi. A quê o senhor é alérgico?

— Ao que.

— A quê?

— Tenho alergia ao “que”. À conjunção “que”.  Sou revisor. Essa partícula parece uma praga. “Que isso”, “que aquilo…” Uma pobreza de estilo. O “que” é um quebra-molas, dificulta o fluir da leitura.

— E o que… Digo, e como o senhor se sente quando se depara com um texto assim? —pergunta o médico já medindo as palavras.

— Me causa mal-estar. Por isso, na maioria das vezes, corto sem dó nem piedade.  Modifico a frase, mudo o parágrafo. Sou revisor e editor, mas, às vezes, me sinto um diretor de cinema, pronto para gritar: Corta!

— Algo mais o aflige no trabalho?

— Abomino palavras repetidas.

— Sei, sei… Quero dizer, compreendo. E isso é comum?

— Nossa! Isso é o meu dia a dia.

— Mas agora o senhor mesmo usou duas vezes a palavra dia.

— Doutor, é uma expressão. Aí, não conta.

— Certo, cer… Ops! Claro, seu João…

— Doutor, percebo-o escolhendo as palavras. Fique à vontade. A alergia só se manifesta com textos escritos.

— Que alívio! Se não, ficava mesmo muito difícil, muito difícil mesmo.

— Também não precisa abusar.

— Bem, esses problemas têm muito tempo?

— Sim, mas pioraram nos últimos meses, e as perspectivas não são boas. Serei responsável pela revisão de um blog de três cronistas e sinto que não vai ser fácil.

— Converse com elas. Quem sabe, ficam mais atentas ao redigir.

— O senhor tá brincando? Essas novatas se acham escritoras!

— Mas as crônicas são ruins?

—Não. Até aparecem textos bons. É que acho-as temperamentais, sabe? Há dias que mandam vários textos, depois, somem por semanas… São instáveis demais. Sabe como é mulher, né? Mulher que escreve crônica, então.

— As que escrevem poesias devem ser piores.

— Não que essas! Imagino a conversinha delas: “Querida, que texto lindo! E você, que sensibilidade! Puxa, que criatividade!” E por aí vai. Claro, só mostram suas criações depois que já fiz o trabalho sujo, né.

— E qual o receio?

— Com o blog, nosso contato vai ser regular. Mexerei mais nos textos. Me parecem meio sensiveisinhas, sabe? E se não gostarem das modificações?  Podem ser loucas e até perigosas!

— Que exagero, João!

—Sei não! Sabe a história do mensageiro com a notícia ruim? É a cabeça dele que cortam. Vai que ficam chateadas com alguma correção e planejam uma vingança.

— Ah!  Você tá viajando. Não dá pra ver que são normais?

— A única que conheço pessoalmente tem uns olhos grandes. Às vezes, a encontro na hora do almoço com um olhar meio perdido. Fico pensando: o que estará tramando? Traz sempre uma mochila ou uma sacola. O que tanto carrega? Uma faca? Veneno para colocar na comida de um desafeto? Na dúvida, não abandono meu prato, nem dou as costas.

— …

— Outra vive fora do País. Só conheço pelo Skype. Difícil manter contato. Ora está morando na Holanda, ora na Itália. Isso é normal? Ainda pede para eu informá-la qual a melhor maneira de pagar pelo meu trabalho, porque é transação internacional etc. Agora, me diz: isso é problema meu? Arruma um revisor de português lá na Itália ou em Amsterdã!

— Calma, João. Até aí, não vi nada demais. Você tá estressado. São três, não é isso?

— É, tem mais uma. Metida a engraçadinha. Logo no início, fez uma crônica quilométrica sobre um problema com o carro. Acho que não sabe nem que carro tem motor, mas sai escrevendo. E eu tendo que ler. Aí, engarrafou o texto com a palavra sinal. Era um tal de “Parou no sinal”, “O posto era perto do sinal”.  Troquei, em algumas passagens, por semáforo. Escreveu reclamando.

— Achou ruim?

— É… Dá para acreditar? Deu vontade de passar o carro em cima, mas pisei no freio e, gentilmente, expliquei as razões. Acatou? Nada! E os argumentos? “Semáforo é coisa de paulista, sou carioca” — buzinou no meu ouvido. E eu com isso? É esse o nível!

— É! Essa dona deve ser mais complicada…

— Também tem essa! Reclamou de ser chamada de dona. Até na forma que me dirijo a ela, se mete. Haja paciência! Também não dou trégua. Vou morrer chamando-a de dona, ou senhora, para ela ficar mais doida ainda.

— Rapaz, eu não imaginava que revisar podia ser tão estressante.

— Para você ver. E olha que, quando devolvo os escritos, procuro ser agradável, faço uma observação, um elogio. Se questionam algo, respondo que um texto é como um filho, que façam como achar melhor etc. Não são mães, mas falo em filho para ver se toco no coração dessas desalmadas. É um trio calafrio.

— É! Não parece fácil mesmo.

— E tem mais. Depois da revisão, não sei o que essas pestinhas fazem com os textos, quais sugestões são aceitas. Ouvi dizer que vão colocar créditos no blog. Então, meu nome vai aparecer como revisor. E se não aceitaram minhas correções e sugestões? É o meu nome que está lá! Não sei o que fazer, se pedir para retirar, periga ficarem ofendidas.

— Olha, João! Quanto aos créditos no blog, não sei que… Perdão! Não sei qual conselho dar. Mas, realmente quanto ao fato de serem perigosas, vale observar a sabedoria popular: uma mulher que escreve crônica é pouco, duas é bom, mas três é mesmo perigoso demais. Tome muito cuidado!

Foto: Google Imagens.