Consulta com a oftalmologista

Sento na cadeira para um exame de vista e a oftalmologista começa a girar aquelas lentes. Tlec-tlec-tlec… A sensação é de que vou enfrentar uma roleta russa. E, como pressão pouca é bobagem, você vendo tudo meio embaçado, ainda escuta ela perguntar: — Essa ou essa?

Penso. Será que ela não tem uma perguntinha mais fácil tipo:

— Qual o sentido da vida?

— Os sonhos fazem parte da realidade?

— Se Ele criou tudo, onde estava antes?

— Se os homens são todos iguais, por que as mulheres escolhem tanto?

Sei lá! Algo em que eu possa ter ao menos uma chance de não parecer tão indecisa, tão sem firmeza, tão débil.

— Assim ou assim?

Assim não dá! Não vi diferença. Será uma pegadinha? Onde está a câmera?  Não dá para ver, com esse aparelho todo na minha frente. Tlec-tlec-tlec…

— Melhorou ou piorou?

A visão ou a minha sensação de incompetência? Fico com vontade de perguntar. Sim, porque dá um medo danado de responder errado. Exame de vista é tudo ou nada, diferentemente dos testes de escola — duas questões: você acerta uma, 10; erra outra, 0. Média 5. Passou.

Aqui é diferente. Não adianta acertar o grau do olho esquerdo; se errar o do direito pode fazer mal à vista, ficar com dor de cabeça e por aí vai.

Depois, compra uns óculos caríssimos e o resultado não fica bom. De quem é a culpa? Sua, claro! Que não consegue nem enxergar o que está à sua frente.

— E agora: melhora ou piora?

— Acho que melhora. Acho.

É assim mesmo que respondo: acho. O que faz com que ela, pacientemente, recomece o tlec-tlec-tlec…

Tive sorte. Doutora Mara é a melhor. Cheia de títulos, ainda tem um que mantém escondido: PhD em paciência. Aliás, acredito que, nas faculdades de Medicina, sem olhar o histórico escolar, há uma matéria obrigatória aos oftalmologistas, optativa aos demais. Deve se chamar Paciência com os Pacientes — ou algo assim.

Veja bem! Em um exame com um cardiologista, ele lhe coloca uns eletrodos e… Voilá! Temos um eletro, garantindo que você não está enfartando. Um ortopedista pede uma radiografia e pode afirmar que o osso não fraturou e por aí vai.

Na grande maioria das vezes, você é um sujeito passivo. Nos exames de vista, não. Você é o cara.

— E agora, melhorou ou piorou?

— Melhorou! — você responde feliz como uma criança que acerta a resposta na frente do professor favorito. Mas esse momento de alegria dura pouco, porque logo começa outro tlec-tlec-tlec…

— E agora? Essa ou a anterior?

Tá de brincadeira! Quando eu ganhara um pouco de confiança, ela insere outra lente que já me deixa confusa de novo.

— Essa ou a anterior?

— Bem, agora… Dá para voltar de novo?

Voltar de novo! Você escuta o que diz e não sabe do que mais tem vergonha: de não saber se expressar com um pouco de elegância ou de não saber dizer o que vê.

— Dá umas piscadas e me diz: melhor esta ou esta?

— Ééééééé…

— Não tem pressa. Vamos lá. Essa ou essa?

Até que, uma hora, meio como por milagre, algo mágico acontece. E as lentes começam a fazer sentido. Tlec-tlec-tlec… Você começa a ter mais certezas e, ufa!, chega-se a um resultado.

— Essa é melhor! Essa! Essa! Essa, com certeza!

Não jogo em computador, mas deve ser a mesma sensação de passar de fase.

— Muito bem. Agora, vou pingar esse colírio para medirmos a pressão, me diz.

Pressão? Depois de tanto tlec-tlec-tlec… De longos minutos de dúvidas. Não sinto mais pressão alguma com nenhum outro exame.

Agora é só correr para ótica e escolher os óculos mais bonitos. Hum… Esse, com aro de tartaruga, mais clássico, ou aquele mais modernoso? E o vendedor, que não tem a paciência da minha médica, faz a mesma pergunta.

— Esse ou esse?

(Primavera, 2015)
Foto: Google Imagens
• Martha Gonzalez escreve às quintas-feiras
www.martha@clubedecronicas.com.br

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