Depois deles, The Rolling Stones

Certa vez, ouvi, durante uma palestra do saudoso escritor e poeta Ariano Suassuna: “A coisa mais melancólica do mundo é um roqueiro velho.” Confesso: toda vez que ouvia eles, The Rolling Stones, lembrava daquele senhor nordestino. Mas isso foi até noite passada, antes do concerto no estádio Johan Cruijff Arena, em Amsterdam. Hoje, acordei e me dei conta da quantidade de energia positiva vibrante em meu corpo depois do espetáculo desses senhores acima dos 70 anos.

Óbvio: não avisei a ninguém sobre ver aqueles roqueiros — quero dizer, liguei para meus pais quando estava no portão de entrada do show —, porque, ultimamente, a frase mais comum escutada é: “Com tudo o que está acontecendo no mundo é difícil ser humano.” Se nos rendemos a isso, acabamos nos escondendo, de nós e do mundo inteiro. Ontem, quando cantei e me agitei nas duas horas e meia de músicas, do início dos anos 60 aos dias atuais, lembrei-me de como é grande a questão do significado ser humano.

No nosso dia a dia, não é fácil ser considerado ou aceito quando você ainda “não é perfeito”. Ao você mudar de país, por exemplo, deve recomeçar, praticamente, do zero. Aprender a nova língua é o primeiro ponto. Daí, vem a questão idade, porque, precisará refazer grande parte do caminho já feito, de uma forma nova. Tudo para ser validado, ou bem sucedido, mas, para quem?

Bom, provavelmente, já deve ter ido, visto por vídeo ou ouvido falar de um show dos The Rolling Stones. Devo afirmar, sem mérito de fã: aqueles caras são mágicos! Mick Jagger é um ser memorável pelo carisma e pela intensidade ao despertar uma libertação para o momento presente. Ele tem algo de especial e somente agora fui compreender e perceber como consegue trabalhar, misteriosamente bem, os lados feminino e masculino existentes nele — em cada um de nós, é claro!

É isso! Acreditar em alguém, em nós! Talvez esse deveria ser o sentido da vida humana. Remexer o corpo, deixar a música penetrar em nosso ser e simplesmente nos entregar aceitando quem nós somos. Eventualmente, ficaria mais fácil seguir adiante.

O verdadeiro sucesso está na capacidade de melhorar a vida de outra pessoa. Ou, ao menos, despertar algo de bom no próximo. Assim, quando fazemos o que amamos, percebemos o nosso propósito e ganhamos sentido para viver. Isso é sucesso! O mais importante é saber como viver, sendo mais presente e em movimento, criando balanço para o corpo, mente e espírito.

Quando fechamos nossos olhos e sentimos o balançar do físico durante uma melodia, notamos: nem sempre conseguiremos ter aquilo que queremos ter. Este trecho de uma das canções diz exatamente isso: “You can’t always get what you want. But if you try sometime you find. You get what you need…” (Você nem sempre consegue o que deseja. Mas, se você tentar, às vezes, você encontra. Você obtém o que você precisa — em tradução livre.)

Alguém disse: “O barato de ser humano é saber não estarmos sozinhos”. Muitas vezes, aquilo que pensamos querer ter, na verdade, é a projeção do que esperamos que o outro quer de nós. Quando aceitamos o que somos, passamos ser mais reflexivos naquilo que fazemos.

Nós não podemos bater contra o outro para julgá-lo e dizer o que ele deve ou não fazer. Isso é apenas resistência de algo interno em nós, porque é fácil falar do outro. Então, por que não começar por si mesmo? Há muitas outras coisas para observar, dizer e viver.

Por exemplo: você pode falar o que quiser sobre o presente, passado e futuro dos The Rolling Stones, mas a vida é deles. O poder desses homens está na música manifestada no palco, ao vivo, em uma perfomance única e cheia de energia. Uma vibração positiva irradiando gerações de avós, pais e filhos. Este é o meu motivo de respeito.

Sim, a música tem o poder de despertar a alma. E assim, o mais importante é saber que temos essa vida para viver. Então, o que você vai fazer dela? Qual é o seu sentido aqui? Enquanto seres humanos, poderíamos usar nosso potencial para servir outras pessoas, outras criaturas, a vida em si. Mesmo os obstáculos sendo muitos, é legal tentar ser a diferença que você quer ver no mundo, já dizia Ghandi.

Bem, se você estiver lendo este texto, e, possivelmente, se perguntar “Que droga ela usou para associar esse tipo de ponto de vista?”, minha resposta será alegria e entusiasmo. Foi o que experimentei nos 150 minutos de músicas tocadas pelos The Rolling Stones. E assumo ter ficado encantada com as meias laranjas do baterista Charles Watts. São 76 anos de muito estilo.

Esses caras me mostraram que não estou fora do jogo se não estiver morta. Isso quer dizer que minhas falhas, tropeções e obstáculos são apenas uma nova direção para a vida. Enquanto eu estiver respirando, terei sempre uma nova chance.

Se falharmos, a vida não vai nos dizer que é nosso fim. Os rótulos recebidos não são nossa identidade. O importante é o ser humano, quem você escolheu ser. Não importa idade, cor, origem, crença, conta bancária… Capacidade e conhecimento, temos ou adquirimos; só devemos acreditar em nós mesmos.

Nunca poderia imaginar um show me dizer tanto sobre o sentido da vida. Fazer algo por alguém não conhecido, ser uma benção ou despertar alegria ao semelhante pode ser mágico. Quando enxergamos o próximo, a beleza do ser é refletida por toda parte.

Sabe? Se Ariano Suassuna ainda estivesse vivo, gostaria de dizer para ele: “Roqueiro velho permanece com a alma de menino bem arteiro.” Quem dera se todos nós pudéssemos envelhecer deixando livre a criança desse composto feminino e masculino existente em cada um de nós! Nossa vida seria mais leve.

Depois dos The Rolling Stones, apreendi não se poder viver a vida por si mesmo. Nós sempre precisaremos de outro ser humano para dizer “também estamos aqui.” Nesse emaranhado de caminhos e direções, vamos nos descobrir, vamos nos perder, enquanto encontramos e desencontramos a si mesmos e ao outro. E, dessa forma, as pedras do caminho vida continuarão rolando.

Outubro de 2017
Foto: Mitchell Giebels
Edsandra Carneiro escreve, quinzenalmente, às quartas-feiras.

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