Drica

Os lábios bem maquiados não conseguiam esconder as rugas da boca. Entretanto, os anéis grandes, sim!, eram uma boa estratégia: tiravam a atenção das manchas senis nas mãos. Desde a juventude gostava de se enfeitar.

Acompanhava a moda, mas nem passava pela cabeça a ideia de deixar de pintar os cabelos, como andam fazendo algumas atrizes maduras. Madura, aliás, era um adjetivo detestável: “Só é aceitável para frutas” — defendia. “Se dissermos para uma adolescente ‘Você precisa amadurecer soa ofensivo. Se qualificamos uma mulher assim, é como chamá-la de velha. Então, nunca use com humanos” — ensinava para a neta.

Sua idade, aliás, era um segredo tão bem guardado quanto a fórmula da Coca-Cola. Quando lhe perguntavam quantos anos tinha, respondia ser do tempo em que era falta de educação perguntar a idade de uma mulher.

A boa aposentadoria lhe permitia alguma diversão, acesso a bons médicos e também a ser um pouco impaciente. Aliás, apesar de bem-humorada, algo a chateava de pronto: a mania de alguns adultos tratarem os idosos como crianças.

— E então, Dona Drica, como estamos? — perguntou o cardiologista.
— Só posso falar por mim. Eu estou ótima.
— Que bom! Tem se alimentado direitinho?
— Direitinho e tortinha também. Não abro mão de um doce.
— A senhora, sempre espirituosa…
— Essa sou eu, em carne e osso.
— Atividade física?
— Sexo conta?

Rindo, o médico continua:

— Quero saber se a senhora tem feito sua caminhadazinha, pegado um solzinho, como recomendei da última vez.
— Solzinho? O sol é a maior estrela do Sistema Solar e é assim que o senhor se refere a ele? Bem, tenho caminhado e feito a minha fotossíntese.
— Tem se sentido cansada? Algo a incomoda?
— Eu moro no Brasil. Estou cansada de tantos desmandos, incompetência e corrupção. Mas, o que mais me incomoda é a passividade do povo.
— Certo, certo, dona Drica. Bom, vamos fazer um eletro agora e depois marcar um exame de esteira, ok?
— Doutor, me dá logo zero porque nesse exame eu não vou passar.
— Como assim?
— Não vejo o menor sentido em ficar andando, andando e não chegar a lugar algum. Não tenho paciência para isso.
— Mas, então, como é que eu vou saber como anda esse coração?
— Enfim, uma pergunta interessante. Podemos marcar um jantar e lhe falo sobre isso. Hoje, às 8 horas, está bom?

Martha Aurélia Gonzalez escreve, quinzenalmente, no  Clube de Crônicas

inverno,2018

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