Lúcia

— Quando as cortinas se abriram, foi a coisa mais linda que já vi! — comentava enquanto secava, com um lencinho de papel, algumas lágrimas de emoção que persistiam escapar dos olhos ainda marejados.

Era a primeira vez dela em uma exibição de balé clássico profissional. A Companhia Nacional de seu novo país apresentava uma performance da peça “Joias”, de George Balanchine. Um verdadeiro espetáculo de beleza e simbologia.

Lúcia ainda não tinha se dado conta do quanto estava iluminada. Era o momento dela. Havia muita luz em seu olhar e, sem perceber, ela representava o brilho daquela noite. O próprio nome, a história de vida e a profissão tinham tudo a ver com a beleza, harmonia e dramaticidade representadas no palco.

Lúcia nunca soube que era uma joia. A começar pelo ofício: professora. Ela tem o dom de ensinar. Apesar de dizer que esta dádiva veio por acaso, sabe muito bem compartilhar conhecimento. É detentora da nobreza de lecionar. Na sua nação de origem, a sua lucidez nunca sequer foi reparada. Estava nos buracos escuros das minas exploradas por garimpeiros, que detonam, diariamente, dinamites à procura de esmeraldas.

Em uma dessas explosões, ela ficou entre os entulhos retirados das escavações. Ninguém a viu. Nas fortes tempestades da vida, foi levada pelas águas do tempo para um local bem distante, onde sua claridade pudesse ser refletida entre alguns poucos raios de sol. Parecia um rubi, em um vermelho intenso. Era viva, como um símbolo real da paixão. Mas Lúcia estava banhada pelo sangue da desigualdade, da raiva, do descaso, da ilusão.

Mais uma vez, ficou entre os cascalhos. Como enxergar aquela beleza que parecia sem valor? Nem ela sabia que era preciosa. Anos depois, foi expelida pela violência do vulcão da aprendizagem e encontrada, pela oportunidade, numa forma aparentemente dura, mas extremamente frágil.

Foi curada com atenção. Pacientemente, foi lapidada pela generosidade. Sentiu muitas dores. Tempo depois, viu uma luz distinta refletir nos canais por onde passava mas não sabia que era o próprio reflexo da sua natural vivacidade.

Naquela noite, ficou hipnotizada quando viu, na coreografia de Belanchine, a magia das joias nos movimentos puros e perfeitos daquele balé. Identificou-se na elegância, na harmonia e na maturidade dos gestos da bailarina. E se enxergou nos incontáveis giros do bailarino, em uma precisão de equilíbrio…

A luz no palco era a energia e o brilho do diamante Lúcia.

(Fevereiro de 2015)

Foto: Edsandra Carneiro