Minha primeira sessão com Laura

A fileira O de número 11 foi o único lugar solitário restado para comprar. O Teatro Frei Caneca, em São Paulo, lotado. Ainda bem que a vista estava livre, pois havia um vão de escadas à minha frente. De vez em quando, soltava à mente a ideia de descê-las agachada, para não incomodar a plateia, e sentar-me no degrau vizinho ao palco, apenas para ver uma estrela brilhar.

Laura Cardoso está impecavelmente deslumbrante na peça “A última sessão”, de Odilon Wagner. Um espetáculo que destaca a maturidade com uma majestosa e satírica sabedoria. E ainda retrata emoções delicadas pertencentes a qualquer idade: desejos e conflitos internos.

A graciosidade e a irreverência de Laura saltam aos olhos, aguçam os ouvidos e provocam tantas outras sensações a um corpo que se deixe envolver por uma atuação ao vivo desta atriz. A experiência dos mais de 70 anos de carreira transforma-se em presença e leveza durante as performances da paulistana Laurinda de Jesus, nome de batismo.

Ela tem algo de especial e rouba a cena em palco. Tudo bem que minha experiência de espectadora de teatro ainda seja limitada. Mas esta artista é marcante no teatro, na TV ou em qualquer outro meio. É a primeira vez que a vejo ao vivo. Cardoso é boa no que faz. E por mais clichê que isto possa ser, teatro é teatro. Óbvio, para quem sabe fazer.

Laura e um time fenomenal da dramaturgia brasileira (todos velhos — prefiro este termo porque, para mim, representa experiência de vida) permitem ao espectador refletir a ingenuidade e perversidade dos nossos atos. Discutem o espaço que cada pessoa tem quando chega a velhice.

Revelam histórias de amor, de rancor, de desejos e os valores na maturidade. Desbravam a vida com o refino de quem tem um paladar apurado. Sutilmente, nos evocam para o presente, nos despertam no hoje. Assim como na vida, rimos e nos emocionamos com as histórias dos outros, que nada mais são reflexos das nossas.

Em palco, a personagem diz que “Viver é uma questão de paladar.” Realmente, é preciso ter bom gosto para se estar presente. E ressalta, ainda: se quisermos trilhar novos caminhos, não podemos olhar para trás, verdade ouvida e vista por nós o tempo inteiro. Não posso afirmar que são absolutas. Entretanto, para os mais sábios conselheiros, o elixir da veracidade está na fonte mental de cada um. Nossos atos movem os fatos. É certo que ainda tenho muito o que aprender.

Na minha primeira sessão de comédia com a agraciada da Ordem do Mérito Cultural, fui tomada de tal forma que tive vontade de olhar nos olhos de todos os atores ali presentes. Ansiei acariciar as marcas do tempo no rosto de cada um. E desejei ver e sentir as mãos de um ser que consegue proporcionar divinos momentos de emoção a uma jovem que, um dia, também será uma velha.

Mas, estava sozinha e, pelo andar das horas, receosa do cenário real da vida, fiquei com medo dos atores sociais que encenam tristes episódios do cotidiano. Saí com um sentimento recalcado de insegurança. Quem sabe antes da última sessão eu consiga dar um abraço na Laura e contemple um dedo de prosa de carisma e astúcia desta protagonista da história da arte no Brasil.

(Março de 2014)

Foto: Edsandra Carneiro