Qual o tamanho da sua fome?

Querer entender o outro no seu mais íntimo convívio me fez buscar conhecer outras culturas, hábitos e costumes. E, em um pequeno percurso percorrido, deparei com a língua, a comida e a bebida, num contexto antropológico cultural e social. Mas ainda estou em processo de entendimento, dividida entre alguns países.

Tenho dúvidas sobre modismo, ditadura, tendência ou retorno às origens no que se diz ao alimento. Quero dizer: no meio desse contexto de carnívoros, vegetarianos, veganos e qualquer outra coisa do gênero da cadeia alimentar, quero apenas refletir sobre os nossos hábitos e sobre o nosso ego.

Não sei qual é o tamanho da sua fome e nem do que você gosta de comer. Não vai fazer diferença ao nosso papo. Todos nós sabemos que comer bem não significa comer em grande quantidade.

Uma conhecida que diz ser zen (vive entre Índia, Tibet, Nepal etc., daquelas que dizem não comer nenhum alimento de origem animal), me perguntou se eu poderia fazer um almoço brasileiro. Dias depois, preparei a iguaria no fogão à lenha, com o maior prazer. Arroz e feijão, acompanhado de muita verdura e farofa.

Assim que ela chegou, comentei que a farofa teria ganho um sabor especial com um ovo bem mexido. Imediatamente, respondeu:

— Oh! Você poderia ter colocado o ovo”.

— Mas você não é vegana?

Silêncio.

Doutra vez, ouvi de outro neo-idealista que, quem o convida para jantar, tem de, obrigatoriamente, perguntar antes o que ele come. E lembrei de uma entrevista com uma mulher que vive apenas de luz. Disse que, depois de certo tempo, não freqüenta casa de amigos para jantares ou almoço.

Sou de uma cultura na qual a comida reúne as pessoas. Quando morava com meus pais, as refeições eram feitas com todos reunidos à mesa. A televisão era desligada. Havia um momento de oração. Depois de um tempo, passei a entendê-lo como uma contemplação ao prazer.

Os domingos eram sagrados, recheados de macarronada e maionese (daquelas com vários vegetais).  O arroz, o feijão, a carne, a farofa e a salada também estavam lá. A coca-cola tinha um gosto bom. O diferencial era sempre algo extra: um pastel, um assado e qualquer outra guloseima. Domingo significava família. Comíamos para celebrar a vida.

Hoje, vejo uma infinidade de pessoas que questionam sobre tudo o que estão comendo: “Ah! Não como isso.” “Este produto não faz bem para a pele.” “Nossa! Isso vai matar você.” “Saiu em uma pesquisa que tantos por centos dos alimentos contém…” “Vou parar de comer isso. Já faz um tempo que cortei aquilo.” “Ai. Credo! Você está comendo isso? Você sabe que destrói o seu estômago?” “Nossa! Porque as pessoas ainda comem…” Etc.

Procuro entendê-las e não posso julgá-las. Mas, vale lembrar: nós vivemos em um mundo de desigualdades. Um planeta no qual grande parte da população não tem o que comer. Em alguns lugares, as crianças não podem escolher uma fruta. E, se algum dia tiverem a oportunidade de comer uma maça, estarão felizes, porque elas querem apenas encher o bucho.

Conheço pessoas para as quais, ir a uma feira, parece sonho, porque moram no sertão. O Sol castiga a terra e o pouco que colhem devem dividir entre a família e o gado. A vaca que sonham engordar para comer num Natal próspero é a mesma que oferece o leite a ser disputado entre o bezerro e os filhos da pobreza. Para essas pessoas, o leite não fermenta. Ele sustenta.

Para outras não muito longe de você, se derem sorte e, se a chuva vier carinhosa, algumas espigas de milho poderão obter. O fubá, resultado da colheita, misturado ao ovo da galinha do vizinho, vai render um bolo que, trazido para a cidade grande, receberia o título “Produto 100% orgânico”.

Discute-se muito sobre comida. A forma como os animais são confinados e abatidos é cruel, sem sombra de dúvida. A produção desordenada e o consumo em excesso é algo que continua a desencadear vários problemas pelo mundo, desde ambientais até sociais e econômicos, passando, principalmente, pelos educacionais. Para mim, educação e respeito estão muito interligados. E acredito que, em relação a este último, sofremos de amnésia.

Quando alguém me diz “Você mora na Itália. Deve-se comer muito bem!”, penso: “Sim. Os frutos da minha hortinha têm sabor especial.” E lembro de como a nossa existência é efêmera. Já contei centavos para comprar verduras na “feira da vida”. Os orgânicos estavam fora da minha realidade. Meu biscoito era o de farinha comum, porque o integral me custaria três vezes mais.

Tudo isso para poder nutrir um caríssimo sonho de entender o outro em seu modo de se alimentar. Procuro respeito entre os modos de se comer e busco compreender o tamanho da fome de cada ser humano. E ainda tenho fome.

• Edsandra Carneiro escreve às terças-feiras

(Dezembro 2014)

Foto: Edsandra Carneiro

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