Uma senhora que exige respeito

— Senhoras e senhores! Permaneçam sentados e mantenham os cintos afivelados. Vamos atravessar a Cordilheira dos Andes.

Ouvi esse aviso do piloto duas vezes: na chegada a Santiago e na saída da capital chilena. Na ida, como era de noite, só foi possível ver um breu pela janela do avião. Mas deu para perceber que não se tratava de um “cerro” qualquer, mas sim uma Senhora Cordilheira, que exige atenção e respeito.

Na volta para o Brasil, de dia, preparei a máquina para registrar toda aquela beleza. O comandante havia anunciado “tempo bom” durante o voo para São Paulo. Criou expectativas nos passageiros, de que seria possível admirar a Cordilheira.

Inesperadamente, a aeronave mergulhou numa nuvem densa. Uma forte turbulência fez meu coração bater acelerado. Impossível não pensar na queda daquele avião nos Andes, história real contada em livros e filmes. Imaginei-me perdida na neve, buscando desesperadamente as roupas de frio na mala. “Com a tecnologia de hoje, será muito mais fácil localizar a aeronave” — pensei.

Nada disso aconteceu, claro! Logo, as nuvens se dissiparam e eu pude admirar a “poderosa”. Parecia tão perto, coberta com camadas e camadas de glacê, marshmallow, sorvete de creme, claras em neve (perdoem-me a óbvia metáfora) ou o que mais a imaginação permitisse.

O avião voava — segundo me informou o comissário — a 38 mil pés de altitude (em torno de 11 mil metros), a uma velocidade de 700 quilômetros por hora. A travessia da cadeia de montanhas na fronteira do Chile com a Argentina deve ter durado uns 15 minutos. Tempo suficiente para alguns cliques e pensamentos. “Todos deveriam ir a Santiago, de avião, pelo menos uma vez na vida, só para ver essa obra magnífica da natureza.”

Durou bem mais a travessia da Cordilheira por terra. Em Santiago, embarcamos num ônibus bem cedinho, com destino à cidade de Mendoza, na Argentina. O que poderia ser uma viagem de seis ou sete horas transformou-se numa jornada de 14…

Logo de cara, o ônibus ficou parado três horas. O nosso e outros motoristas aguardavam a estrada ser liberada, pois uma avalanche de neve tinha bloqueado o caminho. Disseram que havia cinco anos não nevava tanto na região.

O acúmulo de veículos provocou um longo engarrafamento na Aduana. Foram cinco horas de espera para cumprir o ritual burocrático de carimbos no passaporte: de saída do Chile, de entrada na Argentina. Fila também para revista das malas, pois não é permitido ingressar com nenhum produto de origem animal ou vegetal. E tudo isso num frio congelante.

A paisagem compensou todos os problemas. As margens da estrada estavam tomadas pela neve. Tudo tão branquinho, não fossem as pegadas dos motoristas e passageiros dos ônibus, carros e motos que faziam uma festa.

Adultos se comportavam como crianças, moldando bolas com as mãos e, literalmente, rolando na neve. Eu a acho linda, mas me contento só em olhar. Parece, mas não é algodão. E segurar gelo, não é nada confortável.

A longa travessia finalizou com uma mudança radical de paisagem. Mendoza foi construída em pleno deserto. Tem clima seco, com grande diferença de temperatura entre o dia e a noite, o que favorece muito a produção de vinho. A cidade é cortada por canais que servem para irrigar as centenas de “bodegas” e alimentar as encantadoras árvores, presentes em todas as ruas.

A quantidade média de chuva anual que cai por metro quadrado daria para encher apenas um copo, desses com capacidade de 250 mililitros. A água do rio de mesmo nome que o da cidade, captada para abastecer a população local, vem do degelo da Cordilheira dos Andes. Olha ela aí de novo!

Outubro de 2015
Foto: Cristina Fagundes
Cristina Fagundes escreve aos domingos.

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