Voar de Bicicleta

Por Martha Gonzalez  Uma grande fabricante de aeronaves europeia registrou a patente de uma poltrona de avião semelhante ao banco de uma bicicleta. Quando li sobre o assunto, na Internet, pensei ter acessado, sem perceber, um desses sites que fazem piada em forma de matéria jornalística. No entanto, a notícia é verídica.

O tamanho do encosto seria menor e o assento, retrátil, apenas um pouco maior que um selim. Os bancos ficariam presos no piso a uma barra horizontal. Ao contrário do que vemos nas magrelas, e talvez para poderem ser vendidas como poltronas, haveria braços.

Em entrevista à imprensa, o diretor da fábrica explicou que é comum grandes empresas registrarem inúmeras patentes, não significando sua implementação. Os assentos-selim, revelou, só se tornariam realidade se houvesse demanda.

Ah, bom! Valeu o alerta. Pelo meu dicionário, demanda é algo desejado pelo consumidor. Significa dizer: um projeto desses só sai do papel se o mercado, ou seja, nós usuários quisermos.

Então, vamos combinar, é questão de tempo. Afinal, viajar de avião é uma experiência cuja marca registrada é o conforto. Precisamos nos unir para melhorá-la e reivindicar a implantação imediata dessa maravilha.

O primeiro passo é ir para as mídias sociais e, de pronto, criar a hashtag “Quero voar de bicicleta” para conseguir a adesão da sociedade. Curtiu?

A viagem inaugural seria em noite de Lua cheia. A vida imitando a arte: os passageiros experimentando a emoção do garoto Elliot na clássica cena na qual sobrevoa, de bicicleta, um precipício com o amigo ET.

É ou não é pura fantasia a proposta daquela companhia? Espero que não nos cobrem a mais pela emoção. Apesar da boa notícia, devemos ficar atentos à confecção desses novos assentos. Não podem ser inferiores ao da poltrona tradicional. Nada de Made in China ou afins. Os bancos também devem ser fabricados em Liliput.

As inúmeras vantagens irão aparecer com o tempo, mas salta aos olhos o benefício a quem busca emagrecer: como não há espaço para bandeja, não há chance de serviço de bordo. A única desvantagem, a meu ver, seria em caso de alguma pane.

As comissárias sempre nos lembram, nos avisos a bordo, (logo após a recomendação de manter a calma em caso de acidente) que os assentos são flutuantes. Em princípio, acredito ser mais confortável esperar o socorro boiando no meio do oceano em uma poltrona do que em um selim. Faz toda a diferença. Tirando isso…

Naturalmente, os assentos-selim seriam disputados ombro a ombro pelos passageiros. Até então, o melhor lugar do avião eram as poltronas do meio. Ali, você se sente acolhido pelos viajantes sentados no corredor e na janela. Ir ao toalete, ou observar a vista do alto de uma cidade, torna-se irrelevante.

O estreito contato humano compensa tudo. Na fila do meio, seus braços estão sempre coladinhos nos dos vizinhos. Se retirá-los para pegar a revista no bolsão da cadeira da frente, impossível conseguir o espaço de volta. Quebra a corrente humana. Não é bom para a energia do voo.

Além disso, quando chega o serviço de bordo, o passageiro brindado com o assento do meio é obrigado a acordar o vizinho da janela e, depois, ajudá-lo a devolver copos e afins à comissária. Torna-se um solidário, querendo ou não.

Voar assim é aprender a compartilhar. Esse felizardo compra uma passagem e ganha uma lição de vida. Todo aquele que viaja na poltrona do meio sai da experiência uma pessoa menor… Digo: melhor.

Sempre haverá pessoas do contra e criticarão o assento-selim. É da natureza humana resistir às novidades. A eles, devo lembrar que, possivelmente, para tal empreitada, os generosos donos desta empresa se inspiraram no personagem do filme “ET”: uma delicada criatura que só queria viajar de volta para casa.

Já imaginou se os dirigentes não fossem tão sensíveis e escolhessem personagens que, embora de boa índole, fossem mais durões, como, por exemplo, o homem-morcego Batman? Viajar de cabeça para baixo ia ser bem mais complicado. Mas convém não dar ideia. Para as companhias aéreas, o céu é o limite.

Martha Aurélia Gonzalez escreve, quinzenalmente, no Clube de Crônicas

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