Isabela quer conhecer o mundo

É uma manhã de domingo no Moema. Desta vez, São Paulo não está cinzenta. No desjejum, saboreio as guloseimas que o hotel me oferta neste dia. O local onde estou tem uma posição especial, da qual posso observar cada indivíduo tomando o café da manhã. Sentada na mesa da lateral, logo à frente da minha, ela está acompanhada da família. Entre uma bocada no pão e uma golada no leite, vira-se para ver quem chega. A mãe a chama de volta para continuar comendo e, mais uma vez, o olhar curioso volta-se para o desconhecido.

Em uma dessas viradas, nossos olhos cruzam-se e ficamos por uma imensidão do vazio do tempo, de apenas alguns segundos, imersas uma na outra. O pedaço de alimento que mastiga fica imóvel e, para não deixá-lo cair no chão, o dedo indicador da mão direita o escora na boca entreaberta. Seu corpo permanece virado e sua cabeça alcança o ângulo retorcido permitido. Eu alço uma xícara de café com leite, com intenção de tomar um gole, mas fico estática, observando-a também. Ficamos congeladas e nos perdemos na profundidade do silêncio no meio daquele caos de conversas paralelas e barulhos de louças e talheres.

Fomos tomadas por um momento raro nos dias de hoje. Conversar e ouvir sem dizer uma palavra. De ambos os lados, um sorriso foi se formando pela cumplicidade do fato ocorrido. O mundo segue girando e nós duas continuamos ali. Antes da mãe alertá-la para continuar a refeição, ela pisca os olhos e, num gesto ingênuo, revela a artimanha de uma menina de pouco mais de um ano de idade.

Das poucas palavras que balbucia, há uma sinfonia de “dada-dí-dadá”, afirmada com o balançar da própria cabeça, quando não é aprovada ou interrompida pelos pais ou irmão. Esta criança é comunicativa e sabe já dos limites do mundo, mesmo que impostos pelos genitores. Tem vontade de caminhar com as próprias pernas. Como não consegue descer das alturas da cadeira, pede ajuda à mãe para colocá-la com os pés firmes no chão.

Continua prestando atenção à volta, mas quer desbravar o novo e não se contenta em ficar à frente das janelas que dão para o mundo lá fora. Com as pernas cambaleando, caminha roçando os pequenos dedos da delicada mão pelo tecido fino das cortinas que a impedem de ver a luz do amanhecer. Ela insiste em procurar um buraco para olhar lá fora.

Vai e volta buscando este objetivo. A mãe também tenta ajudar, e se lamenta: “Oh, filha! Está tudo fechado.” Ela teima e encontra o vão. Abre o espaço da emenda entre duas partes do tecido e consegue avistar o outro lado. Bate com as duas mãos no vidro e depara com a vastidão do mundo. Um planeta de concretos está erguido a frente dela.

Fazendo cara de assustada, gesticula com as mãos e dá pulinhos de contentamento com a descoberta. E perde-se no emaranhado de panos que a envolvem. Ameaça chorar e depois ri de si mesma, procurando a saída. A mãe se dá conta do que a filha foi capaz de fazer e diz: “Isabela, como você foi parar aí? Conseguiu ver um au-au, filha?” Mas não interfere e a deixa descobrir sozinha a própria saída.

Mais tarde, quando estou lendo uma revista (de joelhos, à frente de uma mesa na entrada do hotel), Isabela se aproxima, rompe o silêncio e me diz: “Tchau!” Faz biquinho, leva a mão à boca e me envia um beijo. Disfarçadamente, volta aos pais (despercebidos do ato da filha) e, de mãos dadas com o irmão, vai embora. A porta de vidro se abre. Isabela quer conhecer, sim, o mundo que acaba de descobrir. Então, que a vida da Isa seja de fato muito bela.

(Março de 2014)

Foto: Edsandra Carneiro