O macro e o micro dos meus 100 dias de pandemia

Cem dias, ou quase isso, ou pouco mais, de isolamento social, é um período considerável. Já me cobrei, várias vezes, por não ter escrito nada nesse momento histórico da nossa existência. Mas, escrever sobre o quê?

Como falar sobre o macrocosmo, esse universo sobre o qual tenho pouquíssima influência? Como abordar minha angústia em relação aos milhares de mortes pela Covid-19, o total desgoverno de nosso País, as inúmeras necessidades não atendidas: alimentação, emprego, saneamento, saúde…?

Enquanto o macro me permite poucas possibilidades de interferência para mudar o rumo dos acontecimentos, o microcosmo oferece alternativas de sentido à minha existência.No meu pequeno universo particular, os últimos cem dias foram intensos.

Primeiro, um passarinho invadiu a tela de proteção da varanda e escapou por pouco das garras dos meus gatos. Salvou-se de forma inteligente: fingindo-se de morto, no chão da sala. Resgate feito, observei a asa quebrada. Assim, não conseguiria voar.

Era uma rolinha. Como deixá-la na casa dos seus predadores? A solução foi hospedá-la, provisoriamente, no lava a jato da esquina, cujo proprietário, seu Arthur, é um amante e protetor dos animais.

Ele alojou a pequena ave numa gaiola, com água e alpiste. Poucos dias depois, quando fui visitá-la, ela já tinha se recuperado — seu Arthur passou óleo de copaíba no machucado. Ou seja: bateu asas e voou. E, assim, nunca mais vi o meu passarinho.

Como os animais sempre estão presentes no meu microcosmo, acabei envolvendo-me em outra história, dessa vez com uma gata que pariu seis lindos gatinhos num bairro próximo.

Moradores improvisaram uma casinha embaixo de um banco de praça. Incomodada com olhares e mãos curiosas de crianças e focinhos de cachorros, a zelosa mãe, durante uma madrugada, transportou, um a um, os seis bebês para um local desconhecido.

Foi preciso seguir a Chaninha (sim, a gata tem nome) para descobrir o esconderijo: um depósito nos fundos de um prédio. Preocupada com a distância que a gata teria que percorrer para amamentar os filhotes e o risco de atropelamento, Suely organizou a operação “resgate dos gatinhos”.

As quatro fêmeas e os dois machos foram trazidos para um terreno baldio, onde foi construído um abrigo contra a chuva. Assim, Chaninha ficaria a salvo de olhares e mãos inquietas, mas perto de onde há comida e água à sua disposição.

Um a um, os filhotes foram adotados. Não sem um aperto no coração a cada despedida. E nem é preciso dizer que fiquei com um. O nome dele? Docinho.

Para concluir a história, só falta dizer que Chaninha foi castrada e poderá continuar reinando no seu microcosmo, sem o risco de novos sobressaltos com filhotes nascidos ao relento.

Finalizo, ressaltando três importâncias: castração como método de controle da população de rua de animais, posse responsável e adoção como ato de amor. Se essas atitudes se transformarem em uma pandemia, aí sim, será uma pandemia de renovação do macrocosmo.

Cristina Fagundes
Foto da autora