Ela também quer ser grande

Primeiro, disse que afinaria a cintura, aumentaria os seios com uma boa dose de silicone e criaria um bumbum bem redondo. Tipo “americana do Sul”. Agora, descobriu que é capaz de ir além do que havia pensado inicialmente: pode crescer de tamanho e, então, ser uma nova mulher. Com M maiúsculo.

Quando fui testemunha do primeiro desejo revelado, pensei: faz parte das conversas paralelas inúteis que rondam os meios sociais em qualquer lugar do planeta. É impossível conhecer pessoas que acrescentarão somente contextos intelectuais. Afinal, todas nos oferecem um momento de reflexão sobre nós mesmos.

— Tenho uma novidade e sei que posso contar para você. Não sou doida e nem ridícula, como muitos podem pensar — iniciou, acomodando-se na cadeira. O restaurante estava cheio e aquele era um momento de privacidade.

— Verdade? Diga — respondi surpresa com o meu holandês de iniciante.

— Descobri uma cirurgia que vai me deixar mais alta. Já estudei tudo pela Internet. Assisti a vários vídeos. Pesquisei preços e locais. E há dois médicos ótimos na Europa. Ainda estou em dúvida entre um da França e outro da Alemanha. Os da América são caríssimos — disparou sem parar.

Imediatamente, troquei o idioma para inglês, porque era uma conversa exigindo um nível muito mais elevado de entendimento — ainda que o meu inglês fosse intermediário para uma altercação daquelas.

Há anos, li uma reportagem sobre uma chinesa que tinha passado pela operação com fins estéticos. Os ossos das pernas foram cortados e esticados com a ajuda de um aparelho de metal. Mas, esta cirurgia, quando criada pelo russo Gavril Ilizarov, buscava tratar fraturas que não podiam ser imobilizadas convencionalmente.

No meu modo simplório de explicar, a proposta é que o organismo se encarrega de reconstituir a falha entre ossos quebrados. Para isso, o espaço da fratura precisa ser mínimo, e o membro deve estar imobilizado por pinos. Assim, um novo tecido ósseo se forma gradualmente entre os pontos fraturados. (Que me perdoem os estudiosos dessa área.)

Ela continuava a explicar como o processo, com propostas estéticas, funciona. Está empolgadíssima com o novo projeto de vida de custo elevado. Da primeira vez, quando comentou da cirurgia plástica, iniciou a prosa querendo saber se o meu corpo era “original de fábrica”. Desta vez, enquanto tagarelava, eu perguntava a mim mesma o que estava fazendo ali enquanto poderia estar em casa lendo um livro neste quase início de inverno.

— Por que você quer fazer esta intervenção? — perguntei.

— Porque cansei de ser baixinha.

Respirou e silenciou-se, enquanto procurava outro argumento para prosseguir:

— Porque quero ser grande como as outras mulheres.

— Mas você é mulher independentemente do seu tamanho. Você é mãe. Trabalha e vive uma vida como qualquer outra pessoa. Eu também sou baixinha e nunca pertenci a padrões de beleza. Mesmo sendo “diferente”, nem por isso deixo de viver bem — retruquei.

— Eu quero ser normal como as holandesas. Quero ser grande como as mulheres daqui. Não quero ser diferente. Quero ser normal — inflava-se enquanto argumentava.

Fiquei calada escutando tudo o que aludia e me restou dizer:

— Você conhece os riscos desta cirurgia? Você sabe como um osso quebrado dói?

Delicadamente, disse que seria interessante ela procurar um psicólogo, um terapeuta. Tentei mostrar que pode ser muito mais prazeroso se enxergarmos nossas qualidades enquanto seres humanos. Entretanto, ela estava tão convicta da cirurgia que era inútil opinar.

Ela sabe do meu passado recente. Apesar de detestar utilizar o que aconteceu comigo como contexto, tentei relembrá-la do acidente que sofri, dos pinos que carrego em minhas pernas, as atividades que continuo reaprendendo (dançar, nadar etc.). Até hoje, parte da minha musculatura é dormente, tenho dificuldades de ajoelhar e blá-blá-blá… (E ainda sou grata pela equipe médica competente que recuperou os meus membros inferiores).

Tempo perdido.

— Os médicos me garantiram que não sentirei dor. Os seus pinos já são ultrapassados. Os meus serão fininhos, supermodernos. A tecnologia de hoje é muito mais avançada. (Referíamos a uma cirurgia de quase quatro anos atrás).

A partir desse ponto, parei de objetar. “Basta!” — pensei. Falei algumas bobagens para finalizar a conversa, mas estava fora de mim.

Embora não tenha preconceito para certas cirurgias estéticas, desta vez, no caminho de volta para casa, senti algo confuso entre dor e raiva ao saber que alguém é capaz de se torturar por causa de um padrão de beleza do qual não faz parte seu próprio conteúdo genético.

Depois, senti indiferença. Pensei na imensidão do vazio humano e, como observadora do outro, continuo percebendo como são incomuns as pessoas que sabem aproveitar as oportunidades para transformarem vidas. Depois, se diz que isso é ter sorte. Penso que raridade são os que sabem preencher este mundo vago.

(Novembro de 2014)

Ilustração: rascunho de grafite por Edson Carneiro Filho