“L’abbaio” del capriolo – O chamado do corço

Neste ano, aqui na Europa, a primavera se despertou majestosamente. Talvez, seja apenas aos meus olhos, mas acredito que a “parada obrigatória do mundo”, imposta por um vírus, permitiu o descanso merecido para o planeta. Então, em um final de tarde, pouco antes de um lindo pôr do sol, saí para caminhar pelos arredores do bosque, acompanhada de Nerina, meu gato-gata. No espaço aberto entre as centenárias Abetos, Fagus, Pinheiros e outras, enquanto passeávamos despretensiosamente, ouvindo o assoviar dos passarinhos e o canto das folhas nas árvores dançando com a brisa serena, fomos surpreendidos, de repente, por um berro muito estranho ecoando por de dentro da floresta. 

Senti meu corpo estremecer e olhei à minha volta. Pensei: “Correr? Para onde?”. Ouvi de novo. Respirei fundo e procurei pelo gato. “Se Nerina correr eu também corro”, raciocinei. Nerina apenas aguçou as orelhas para ouvir de onde vinha o ruído, se ajeitou em posição de alerta e depois sentou. Enquanto eu observava o felino, sentia uma onda de adrenalina e eletricidade passando pelo meu corpo inteiro. Definitivamente, não era um medo real — em nossa floresta, raramente, alguma coisa pode te fazer mal —, mas era o receio por algo completamente desconhecido. 

Em quase uma década de Itália nunca tinha escutado algo assim. Devo dizer que quando a gente passa a viver sozinha em meio a natureza, o nosso lado loba, ou melhor, nossos instintos mais selvagens despertam. Nossa percepção fica mais alerta. Sentimos, observamos e, em caso de ataque, apenas nos defendemos. Então, parei e, ouvindo o ruído, deixei meus sentidos me aquietarem. 

Era uma espécie de latido de cachorro. Contudo, de uma maneira assustadora e inquietante. Não sei descrever com palavras. Um som próximo a um berro rouco, clamando por algo e me deixando atônita. 

Fiquei parada imóvel enquanto o bramar se aproximava. Os minutos foram se passando mas, pareciam quase horas naquela agonia num misto de curiosidade. Olha! Tento ser “cética”, todavia, existe uma força tão única na natureza que, às vezes, parece que tudo se torna um só. Naquele campo roçado, em meio ao bosque, sentia a presença de outros animais e, por um momento, alucinei com a sensação de ser observada por eles. 

O berro, bramido, fremido, grito, latido, seja lá como se diz, foi se aproximando. Quando o bicho surgiu por detrás das árvores, avistei e reconheci um lindo e jovem “capriolo”. Corço, em português. 

Ufa! Que alívio! Quando nos viu parou e ficou nos observando enquanto fazíamos o mesmo. Fiquei matutando sobre o que ele estava querendo dizer com aquela gritaria. Afinal, não fazia a mínima ideia daquele alvoroço. Por quê?

Até antes de me mudar para as montanhas italianas — mais precisamente viver “nelle cascine” em um vilarejo da região piemonte —, nunca sequer tinha ouvido falar em corço. Talvez, tenha estudado quando era pequena. Contudo, em minha memória ficaram apenas cervos, renas ou veados. Afinal, todos esses animais pertencem à família de mamíferos conhecidos como Cervídeos. Aliás, cá entre nós, quem vai ouvir o berro de algum desses bichos, se nasceu e viveu por três décadas em cidade?

Bom, ainda parado, o corço ficou ali nos olhando. Fez mais barulho girando a cabeça e o corpo para todos os lados. Exaltado, mostrando seu traseiro de cor branca para nós, saiu berrando mata adentro. Esperamos até o ruído ficar bem distante e fomos caminhando de volta para casa. De forma discreta, a noite já tinha chegado e o frio se fez presente.

Por um momento, enquanto ouvia o “latido”, pensei em cachorro do mato. Entretanto, dizem que esses não existem por aqui. Além disso, depois de ter visto um capriolo, com meus próprios olhos, fui saber com amigos agricultores se conheciam aquele grito. Contaram ser o “chamado” do corço no cio. Tanto o macho quanto a fêmea “cantam” para o acasalamento. Alguém chegou a citar que, da primeira vez que ouviu, pensou em algo diabólico. Imagine! Depois sentiu-se no céu ao ver a criatura mais doce correndo pelas montanhas. 

Bom, espero que, se em um futuro próximo você caminhar por alguma floresta na Europa, também possa ouvir um pouco mais da natureza. Já te aviso para não se assustar se ouvir algum rugido estranho, apenas se acalme e desfrute da companhia dos animais. 

Ah, também encontrei esse vídeo no YouTube mostrando o “canto” de um macho e uma fêmea. Até porque, para muitas histórias contadas, só vendo mesmo. Não é?!

Abril de 2021
Foto de Hans Veth em Unsplash
Edsandra Carneiro escreve, eventualmente, para o Clube de Crônicas.