Dieta

Costumo ver a comida como uma das melhores formas de comunicação: um modo de conhecer o outro e descobrir um pouco de si mesmo. Por isso, amo os sabores da culinária universal. Quando se come e se bebe bem, podemos, praticamente, ter um orgasmo com o prazer ofertado ao paladar. Se você me conhece, pode até dizer: “Para você é fácil, porque é magra.” Pois bem, a questão é a qualidade diferenciando a quantidade.

Comer é satisfazer algo combinado com a necessidade do físico e a graciosidade da alma. Portanto, quando alguém me diz que está de dieta, meu coração quase trinca. Nada contra, é opção de cada um. Todavia, o pior foi quando os doutores me sugeriram uma restrição de alimentos por causa de uma síndrome no intestino. Fiquei ainda mais doente por saber daquelas limitações. Eu, de dieta?

Vamos lá, juro que tentei. Com a dor intensa, arrisquei. Passei uma semana tomando chás específicos, comendo vegetais e frutas conforme uma tabela, salada e arroz cozido com abobrinha — nada de temperos ou especiarias — etecétera e tal.

Mas, quando chegou o final de semana, e acordei com o cheiro de café e dos ovos mexidos com bacon, tomate, cebola e pimentas que meu parceiro costuma preparar como ritual das manhãs de domingo, não aguentei. Na cozinha, ele diz ter preparado um ovo cozido para mim.

Caro leitor, aquilo foi uma ofensa em forma de cuidados. Naquele dia, percebi as dores de cabeça por falta de café. Podem dizer que este é um vilão; contudo, me apaixonei por ele depois de me mudar para a Europa. Para aturar os dias cinzentos, nada melhor como um bom expresso amaro. Pelas manhãs, cai muito bem com um pouco de leite (pode ser de vaca ou de amêndoas, o que tiver na geladeira). Cappuccino, então? Nem te conto como é maravilhoso aquele cremoso do bar no Lago d’Orta.

Sem fazer aqui nenhum drama, mas, se você já passou fome em algum momento da sua vida, provavelmente entende intensamente o valor de um alimento. E, dessa forma, talvez também tenha dificuldade de compreender dietas.

Pois bem! Passados os dias, voltei à médica e relatei minha situação. Estava tendo sonhos com comida e sentia cheiro de coisas gostosas o tempo inteiro. Tinha até alucinações de pratos de jiló e polenta; quiabo com galinha… Jiló? Quiabo? Quantos anos se passaram a ponto de nem me lembrar mais desses vegetais? A gente não vê isso em terras geladas.

Quase em delírio, clamei por liberdade. De vez em quando, dizem que pareço uma selvagem. Então, como viver em jaula? Chegamos a um acordo. Daí a doutora me disse:

— Isso não tem cura. Observe o que te faz mal e, aos poucos, vá escutando o que seu corpo está querendo lhe dizer. Assim, conseguirá domar seu instinto… Quero dizer, seu intestino. Afinal, tudo depende de como anda o seu emocional.

De fato, no final de semana seguinte, estava em uma tavolata com mais de 40 pessoas. A maratona de comida tinha começado em pé com os aperitivos; depois, pelo buffet; e, como segundo prato, o churrasco. Na fila para escolher e receber os alimentos, alguém começou com a história de estar “gorda” e que deveria parar de comer… Como se a culpa fosse do outro ao oferecer comida, né?!

O churrasqueiro, por empatia ao ser culpado, comentou:

— Olha! Meus sentimentos. Entendo você. Recebi as instruções de um médico e de uma nutricionista e o cardápio foi colado na geladeira como motivação para prosseguir. Uma longa e árdua dieta. Admiro quem é capaz…

A mulher acoimada, perdida na fartura de escolhas, perguntou inquieta, querendo largar o prato sobre a mesa:

— E você conseguiu?

— Juro que tentei… Consegui! Quero dizer, por duas horas. — respondeu ironicamente o churrasqueiro.

Gargalhada geral. E o homem completou:

— Oh, meus caros amigos! Vamos agradecer à Terra por nos ofertar alimento e a esses animais por nos ofertarem vida. Imaginem aqueles que não têm o que comer. E vocês vão ficar de “não me toques” com restrições alimentares? Se for por uma doença grave, até compreendo. E, se ainda for este o caso, há alternativas para continuar comendo sem tantas neuras. Comer bem é ter a consciência de escolher com carinho e respeito aquilo que você coloca para dentro do seu corpo.

Pronto! De paz com a pança, a vida segue com os queijos, as frutas, as sobremesas, o café, o licor… Oh! Espere um momento! Ainda tem o lanche da tarde. Perde-se a hora e o jantar é servido. Pela manhã até à noite, a vida é celebrada sem nenhuma dieta.

Abril de 2018

Ilustração: Foto de Eaters Collective em Unsplash

Edsandra Carneiro escreve, quinzenalmente, às quartas-feiras.

 

 

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