O Homem que amava as Flores

(por Fabiana Lana) Aquela dose toda de sofrimento teve surpreendentemente o dom de fazê-la um ser melhor…

Aquelas chibatadas cortantes retiraram os acessórios que atrapalhavam a visão de sua simples beleza

Ela agora não usava quase nada, não falava mais quase nada, não pedia mais quase nada – apenas respirava e comia o suficiente para viver…

E era com essa nudez que vivia mundo afora…

Por dentro, havia somente flores, livros e lençóis impecavelmente limpos

As lágrimas são o alvejante mais poderoso que um ser pode ter a seu favor.

Seu poder depurativo é extraordinário.

As flores cresciam e cresciam, banhadas por essa chuva tão milagrosa…

Os raios de sol penetravam lentamente, já que a escuridão de anos a fio não suportava senão a delicadeza pingada e cotidiana de leves brechas de raios matinais.

O Luar poderia ser visto com mais clareza.

Era menos ofuscante.

Uma brisa acalentadora vinha de seu leque

E ela contemplava as luzes daquela nova cidade de uma pequena varanda de madeira, que ficava no segundo andar daquele casario antigo

Podia-se ver o luar com calidez…

Podia-se sentir vagamente o sol morno e bom de setembro

Durante o dia, podia-se ver os bondinhos subindo e descendo vagarosamente os morros de pedra sabão daquela cidade tão velha…

Tão bela…

Tão nostálgica.

Ao fechar os olhos sorvia no ar o cheiro das flores… dos besouros… e de todo o mistério barroco daquele lugar…

Além do vinho branco que bebia, não ansiava por nada mais.

Havia uma paz celestial impregnada em seu corpo.

Aquela cidade a acariciava com tamanha delicadeza e mistério de um prenúncio de toques sutis, que ela não precisava de mais nada para sentir-se uma mulher grata… grata pelo que se tornou.

Seus cabelos eram tocados pelo vento e, por vezes, ela era agraciada por um toque a mais de sedução

O mar estava calmo…e o barulho de suas ondas fazia sua alma bailar… lentamente… num ritmo tão bom que não se poderia cansar… poder-se-ia dançar assim por milênios… pela eternidade.

Ela havia se mudado para aquele novo continente há apenas três semanas… bem pouco tempo! Mas o suficiente para desembalar as poucas e belas coisas que havia trazido consigo…

É que o Sofrimento havia se incumbido de se desfazer por completo das coisas não necessárias a uma vida de verdade.

E lá estava aquela mulher… nua em quase tudo… e aquele Sentimento algoz… já cansado de trabalhar em seu corpo… já cansado do labor das chibatadas na alma daquela mulher.

Ele olhou para Ela e percebeu que havia feito um bonito trabalho…

Ela havia se tornado límpida, autêntica, honesta consigo mesma… cheia de flores, livros, sonhos e repleta de nudez.

Então ele chegou bem perto daquela mulher que delicadamente se abanava na varanda com seu leque,

Sorveu um pouco de seu vinho,

Tomou-a para si,

E finalmente fez amor com ela. Ela estava pronta.

Beijou-a com extrema paixão e amor – porque ele já amava com loucura aquela mulher…

Olhou-a dormindo feito um anjo naquela cama tão limpa… tão branca….

Colocou suas roupas antigas.

Não disse uma palavra sequer…não escreveu um bilhete de despedida.

Simplesmente bateu a porta do pequeno quarto daquela república antiga,

Deu um tímido sorriso

E foi embora… descendo as escadas…

Para não mais voltar.

 

Fabiana Aquino Lana é convidada do clube.

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Imagem: quadro Moça com Leque de Gustav Klimt

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