Historietas por trás da Reforma Ortográfica

Começou 2016. As novas regras do acordo ortográfico já são obrigatórias. Para ajudar na memorização e errar menos, amigo leitor, criei umas historinhas sobre as principais mudanças. Agora, divido com você. Bom proveito!

TREMA

O cortejo seguia silencioso. Ninguém, na verdade, gostava muito do trema. O cara sempre quis estar por cima de todos. Mas, diante da morte, sempre há discursos emotivos. Um parente por consanguinidade, que morava em Anhanguera, pigarreou e, vaidoso da eloquência que julgava possuir, começou:

— Pessoa equilibrada, aguentou como poucos os revezes da vida. Na época da ditadura foi preso e, embora arguido durante horas, nunca foi alcaguete de ninguém. Dono de um caráter reto, sem ambiguidades. Muitos ficarão com saudades.

— Só se for o pinguim dele — completou o sobrinho e enterrou o trema.

 

ÉI, ÓI

O deputado andava apressado pelos corredores. Ao chegar ao salão principal, notou que não havia lugar para sentar. Enfurecido perguntou a um servidor:

— O que houve?

— É que assembleia perdeu o acento.

— Isso é um absurdo! Você sabe com quem você está falando?

— Não tenho ideia, mas apoio a medida.

— Por quê?

— Porque, no parlamento, só devem ter assento os heróis.

 

O O

— Senhores passageiros! Continuamos em uma área de turbulência. Mantenham seus cintos ajustados — avisou o piloto do avião.

A comissária de voo, com enjoo, foi atrás de uma caixa de medicamentos. Quando a abriu, caíram todos os circunflexos. O piloto, observando a cena, pensou: “Comissária de voo, com enjoo, essa eu não perdoo.”

E o voo nunca mais foi o mesmo.

 

HÍFEN

A obra do apartamento levou mais tempo e dinheiro do que o casal esperava. Talvez por isso, ela pediu a separação.

— Deixa de H, meu amor. Não acredito que você queira se separar do seu bem-amado?

— É isso! Em regra, com H, tem de separar.

— Como assim, querida? Sempre tiramos de letra nossas diferenças. No geral somos tão iguais…

— Esse é o problema. Na maior parte dos casos, quando a letra no final do prefixo é diferente da letra seguinte, tudo bem ficar juntinho. Assim, meio autoadesivo, né? Mas, quando as letras são iguais, se colar muito, não há anti-inflamatório que dê jeito.

E assim, por causa de uma reforma, muitas palavras, antes unidas, se separaram, enquanto outras, solteiras por convicção, resolveram se unir.

Uma bagunça, ou talvez somente a prova que nem na Língua Portuguesa há amor-perfeito.

 

(Inverno de 2013)

Martha Gonzalez escreve, quinzenalmente, aos domingos.