Impedimento

1impedimentookÉ fato. As regras do jogo nem sempre são de fácil compreensão. Além do palavreado das leis, muitas vezes obscuro, há interpretações variadas. Ou seriam interesses variados?

Sem contar que, demasiadamente humanos, somos capazes de enxergar de maneira diversa a mesma jogada.

Um bom exemplo é o impedimento. sempre muita discussão quando o lance envolve saber se um jogador está ou não impedido. O futebol desperta mesmo paixões. Infelizmente, nosso País também convive há anos com um jogo perverso.

Quase nos acostumamos a assistir, muitas vezes passivamente, à atuação de maus desportistas no poder. Dirigentes despreparados, cartolas inescrupulosos, jogadores vendidos, perebas com pose de craques, mascarados, carniceiros. Sem falar nos peixinhos, cunhando infinitas manobras de proteção. Parecem nada temer.

A bagunça em campo, no entanto, extrapolou e, as jogadas acabaram expostas como nunca antes na história deste País. Assim, o assunto vem sendo discutido à exaustão. Como não entendo muito de futebol, melhor deixar as análises para os craques.

O que me interessa aqui é a torcida, que resolveu entrar em campo. Melhor dizendo: meu alvo ou meu gol — como preferirem —, é o nosso comportamento como torcedores.

Sem firulas, jogada ensaiada e também fazendo o mea culpa: por que tanto sangue nos olhos, nervos ferindo como cactos a pele?

Vejo estarrecida familiares, amigos, colegas de trabalho… Enfim, muita gente brigando por causa do jogo sendo jogado. Pessoas passivas querendo guerrear. A favor da maioria indignada há os fatos, mas, já disse, vou me ater ao comportamento da torcida.

Basta de violência! Chega desse clima de Fla-Flu. O time que está em campo é o Brasil. Melhor pensar grande.

Somos um País jovem, mas não podemos ser infantis. Tipo a criança que briga na escola e apanha de um coleguinha chegar em casa e descontar no irmão. Será que não estamos direcionando nossa indignação às pessoas erradas? Quando é que alguém vira nosso inimigo por pensar diferente? Essa raiva desmedida é a melhor maneira de passar por tudo isso? Que inflamação é essa?

Não tenho respostas, tampouco nenhuma formação acadêmica ligada aos mistérios da mente. Falo apenas com o coração. Um coração apertado, pois viu duas amigas de infância acabarem uma linda amizade por causa desses jogadores do mal.

Brigaram pelos profissionais da bola (com duplo sentido, por favor!), que trocam a camisa do clube sem constrangimento. Se vendem a quem pagar o maior bicho. Hoje se engalfinham, mas, no passado, jantavam juntos sorridentes.

Família, amizades, bom ambiente de trabalho são muito importantes. Sinceramente, não conheço ninguém tão pequeno que caiba apenas nos rótulos com que as pessoas estão sendo carimbadas, às vezes apenas por uma frase.

Então, melhor não nos deixarmos contaminar com esse clima de tudo ou nada. Essa bola dividida não leva ao gol. No fundo, como torcedores, queremos as mesmas coisas: respeito às regras, fim de jogadas escusas, transparência. A certeza de que o jogador que botar a mão na bola será punido com cartão vermelho. Queremos um jogo limpo.

Essa história de a torcida ser o 12º jogador é menosprezar nosso papel. Somos mais. Somos a razão de existir de toda essa estrutura: dos campeonatos nacionais às peladas das periferias das cidades. Somos também os patrocinadores do show. Nos devem respeito, mas devemos respeito uns aos outros.

Fácil falar, difícil na prática. Eu sei. Confesso que o posicionamento de uma amiga já me fez tremular de raiva. Será que não enxerga as jogadas do mal? — pensei. Possivelmente, o mesmo passou pela sua cabeça.

Respeito é bom, e o outro também gosta. Ninguém está dizendo que é fácil. Mas suar a camisa para jogar o fino é sempre a melhor jogada. Não vamos tirar das nossas vidas ninguém por causa desse jogo. Mais temperança e cartão vermelho para a intolerância.

(Outono,2016)

Martha Gonzalez escreve, quinzenalmente, aos domingos

Imagem:www.pontodeexclamacao.com.sapo.pt

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.