Luz no fim do túnel

Dizem que a única mulher que andou na linha, o trem atropelou. Mas cá estou eu, “vivinha da silva”, para desmentir o dito popular. E olha que eu já andei muito na linha, literalmente.

Quando criança, costumava passar férias em Vargem Alta, na casa de minha avó materna. E um dos meus programas preferidos era andar na linha do trem. Equilibrava-me sobre o trilho feito equilibrista de circo. O trilho era a minha corda bamba. Um passo em falso…, e um abismo imaginário me esperava lá embaixo!

E assim seguia eu, um pé atrás do outro. Mas meu equilíbrio durava apenas alguns metros. Logo meu pé escorregava do trilho. Era mais fácil de mãos dadas. Com uma amiga ao lado, uma servindo de apoio à outra.

Quando me cansava do trilho, caminhava sobre os dormentes, sem pisar nas pedrinhas que suportavam os pedaços de madeira. Como uma escada horizontal, eles me guiavam para um mundo cheio de aventuras.

No meio do caminho, tinha uma bica, a “Bica da Rainha” (não sei se ainda existe…), onde sempre parávamos para saborear aquela água fresquinha, fresquinha… Água que matava a sede e nos dava fôlego para seguir em frente.

E o que nos esperava era mesmo de tirar o fôlego, de dar medo! Os trilhos desapareciam dentro de um túnel. E não havia jeito, não havia outro caminho, tínhamos que atravessá-lo. E sem lanterna… Dentro dele, a água escorria pelas paredes de pedra e deixava a temperatura mais baixa. Até a metade do caminho, havia claridade; mas lá no meio, a escuridão era total. Quando meu pai estava junto, eu sentia ainda mais medo, pois ele imitava o apito do trem. Correr? Nem pensar! Era impossível enxergar um palmo adiante do nariz.

O breu fazia meu coração de menina bater acelerado. Mas era um medo gostoso de sentir… Não era como os medos de hoje em dia, medo de assalto, medo de violência, medo de sequestro… Era um medo saudável. Na minha cabeça, tentava estabelecer uma rota de fuga para o caso de o trem aparecer. Calculava a distância entre o trilho e a parede do túnel e só respirava aliviada depois de ter a certeza de que ali, naquele espaço, caberia uma pessoa. Assim, bastaria ficar encostada ao muro, bem quietinha (e rezar, claro).

A agonia só terminava quando a gente enxergava a luz no fim do túnel. Era uma correria só. Adeus perigos! Contrastando com a escuridão, uma montanha branquinha (seria cal?) nos esperava. Era a nossa montanha de neve tropical (eu só iria conhecer a verdadeira neve muitos anos depois). O desafio era subir e escorregar lá de cima. Os meus primos também participavam da aventura. Como eu era a única menina do grupo, por uma questão de honra, não podia ficar para trás.

Naquela época, quase não havia casas à beira da linha. Quando encontrávamos uma, bastava bater palmas e pedir um copo d’água. Ninguém tinha medo de abrir a porta; e as crianças não recebiam dos pais a recomendação de “não falar com estranhos”. Mas a barriga já dava sinais de que era hora de voltar para casa. Cansadas da linha do trem, podíamos seguir pela estrada. Ou pedir carona.

Já se foi o tempo em que o único perigo de andar na linha e atravessar túneis escuros era o de ser atropelada por um trem.

(Novembro de 2013)

Foto: Cristina Fagundes

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