O Barato da Velhice

( por Sérgio P. Silva) Costumo pegar ônibus num ponto que fica em uma rua próxima de onde moro. Certa manhã enquanto o aguardava, notei à minha frente, também esperando, um senhorzinho, meio curvadinho, meio murchinho, apoiando-se numa bengala de madeira. Quando chegou o seu, o velho saiu caminhando lentamente, parou à porta do veículo e dispôs-se a tentar “escalar” o alto degrau do ônibus, que no Rio de Janeiro não é adaptado para pessoas com algum tipo de deficiência. Após algum tempo e algumas infrutíferas tentativas, ele já estava desistindo quando me propus a auxiliá-lo. Mas quando já estava levantando o velhinho pela cintura para elevá-lo ao nível dos degraus, o motorista resolveu não esperar mais; fechou a porta na nossa cara, engrenou a primeira e arrancou quase nos derrubando.

Claro que todos no ponto que acompanhavam a cena, ficaram indignados, mas o velho, muito tranquilo e conformado foi logo dizendo: “Meus filhos, não se aborreçam, não é o primeiro que faz isso”. E complementou: “Também sou maltratado assim em outros lugares por causa desta minha lerdeza, aqui ninguém respeita velho”.

“Aqui ninguém respeita velho”, ele tem razão, esta é a nossa realidade, esse é o tema. Eu já entrei nos sessenta, e já convivo com vários problemas e achaques inerentes à turma da “Melhor Idade”, felizmente nada ainda semelhante ao descrito acima. Aliás, como eu gostaria de saber quem foi o f.d.p. que inventou este jargão. Só pode ter sido um velho daqueles com aposentadoria abastada que vive na Suíça, Noruega, Alemanha ou qualquer outro país incluído neste grupo privilegiado de países,  onde os serviços públicos funcionam bem.

Mas independentemente do país em que se vive, podemos considerar que os velhos convivem ao mesmo tempo e de forma permanente, com os dois lados da moeda. O lado ruim fica por conta das inúmeras mazelas orgânicas que os atingem inapelavelmente (pelo menos uma delas) em algum momento; é prostatite, cistite, bronquite, faringite, gastrite, câncer, derrames, pneumonias, osteoporose, artrite, diabetes, enfisema, Mal de Parkinson, Mal de Alzheimer, osteoartrose, hemorróida, infecção urinária, angina, infarto, e por aí vai. Mesmo sabendo que estas doenças, para quem pode pagar um plano de saúde, são muitas vezes curáveis ou controláveis, a situação não é nada agradável.

Mas tem um negócio bom na velhice, a tal da aposentadoria. Independente do  aposentado ter grana ou não (com grana, lógico, é muito melhor), ele conquista uma coisa que é pra poucos; de repente o sujeito descobre que tem controle total do seu tempo. É a utopia da liberdade. Ele pode fazer o que quer, à hora que quiser, por exemplo; acordar tarde (embora velho nunca consiga acordar tarde), conseguir uma consulta com um médico concorrido em curto espaço de tempo,  marcando-a num horário  do meio da tarde, naquela hora em que os trabalhadores não podem ir (mas ele pode) ou simplesmente decretar: “Hoje eu não vou fazer porra nenhuma”, e não fazer mesmo.

Além disso, velho  não paga condução, e tem direito a meia entrada em um monte de lugares de lazer. Mas essa inércia toda a que você é involuntariamente conduzido, tem um efeito colateral; acaba enchendo o saco. Foi em função dessa circurstância que encontrei algo que me preencheu a vida, e me fez esquecer um pouco o dói aqui, dói ali diário. Vou contar como descobri uma “droga saudável” pra me aplicar.

É o seguinte; eu que sempre fui um leitor assíduo, agora meti-me a ser  escritor. Iniciei com os contos, depois passei pras crônicas (como essa que você esta lendo), e já planejo um romance.

Meu negócio, no entanto, como pode parecer à primeira vista, não é ganhar dinheiro com Literatura, pois  no Brasil este tipo de coisa não é nada fácil, mas sim curtir o “barato” da escrita. Quando escrevo, perco o juízo e não me responsabilizo pelo que aparece digitado no écran. Na verdade quando começo a redigir um texto, sinto-me  possuído por uma “entidade” que escreve por mim, se bem ou mal não sei, mas como escrevo pra meu próprio consumo, não me preocupo muito com isso.

Sabe de uma coisa; descobri também que escrever é a minha carreira de pó branco, meu cigarrão de erva, meu barato total. Tô viciado. É escrevendo que  embarco  numa “viagem naquele velho navio” (parodiando o Rappa), e me ausento das más notícias do cotidiano.

Ah, cara acho melhor parar de digitar um pouco porque já tô doidão demais. É melhor controlar a emoção, velhinho tem que respeitar as coronárias, vai que…

Até o próximo texto, ou melhor, o próximo barato!

Sergio P Silva é convidado do Clube de Crônicas

 

 

 

 

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