O essencial do Ser

Uma vez, li, de Amir Klink: “Um homem precisa viajar para lugares que não conhece, para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser”. Não lembro quando li essa frase, mas me recordo bem de quando decidi viajar e conhecer o mundo.

Eu tinha entre uns 12 e 14 anos de idade. Nas aulas de História, o professor estufava o peito dizendo que o lugar ideal no mundo era em uma ilha entre o mar do Caribe e o Oceano Atlântico. Ele exalava uma raiva explícita de frustação por pertencer a outra pátria, porque, naquela ilha, estavam os verdadeiros heróis revolucionários.

Bom, perguntei ao professor se ele já tinha ido lá e se ele falava a língua daquele lugar.  Diante das respostas negativas, as minhas aulas nunca mais foram as mesmas. A credibilidade ganhou status de dúvida, assim como nas aulas de catecismo. Como ele podia estar tão seguro daqueles heróis, sem ele sequer ter ido ou vivenciado algo por lá?

Sempre me questionei em como alguém pode ser mestre de uma “única e verdadeira” história por meio de outras histórias também contadas. E ainda afirmar o que é certo ou errado.

Para mim, viajar possibilita compreender a si mesmo para entender o seu meio e descobrir um lugar do qual se sinta ou queira fazer parte. Nascer em um determinado local não significa que você pertença ali. Desafiar a si mesmo deixando a própria casa faz despertar o que há de primordial em ser humano.

Aos 35 anos, fui conhecer a ilha das aulas de História e de tantos colegas de outros países que ainda esbravejam sentenças e mostram imagens de um passado, sem sequer terem pisado naquele lugar. Isso sempre me intrigou. Pois bem, fui lá para conhecer o que sempre me contaram.

Proseando com o povo acolhedor e compartilhando de um breve cotidiano deles, saí de lá boquiaberta e com uma vontade de dar um sacolejo em alguns professores e em qualquer um que grita por algo quem não faz noção do que é de fato.  Saí da ilha com fome de decifrar o crucial em ser humano.

Na frente de quem é daquele lugar; de quem fala a língua local; de quem nasceu nos tempos de glória e viu a decadência; de quem tem histórias para contar porque viu, ouviu, sentiu, ninguém contou; de quem tem receio de prosear ao céu aberto, pois a repressão segue soberba e caminha ao lado da tirania, não rima com compreensão e deixa dúvidas com a igualdade.

Então, o que seria igualdade entre nós seres humanos? O que faz você doutor do que não viu? (O objetivo é refletirmos sobre o nosso modo de propagar algo, uma informação. Viagens e questões financeiras demandam outro ponto de vista.)

Lá, a conexão de Internet é limitada. A TV doutrina, escancaradamente, a população, como se em uma bola de cristal. O mar é a barreira natural que limita a vinculação com o outro, o resto do mundo. Na insolência em dizer o que seria ideal, passeia a arte melindrosa entre o daqui, o daí e o de . Além dos outros, é claro!

E, atravessando o oceano, em qualquer outro lugar, conexão de Internet pode expressar lidar com mediocridades. Uma guerra entre egos para serem admirados e cobiçados. Muitos passam por aquela ilha. Voltam para casa com muitas fotos e com a mesma aula de História de anos atrás. Rótulos que permanecem por gerações e gerações.

Todavia, para cada novo país, diferente cultura e povo diverso, relembro que empatia é universalmente humana. Uma capacidade de perceber e partilhar os estados emocionais de outro ser humano. Ou seja: compartilhar sentimentos e ser capaz de se colocar no lugar do outro, com ausência de julgamento, reconhecendo parte de si neste outro.

É um sentimento representador e muitas vezes pode potenciar situações dolorosas. Demanda contínuo aprendizado. Isso tem a ver com respeito e compreensão da palavra diversidade, princípios básicos da alteridade, aquela capacidade de interagir e interdepender do outro. Até porque, nossas relações sociais são distintas. Mas isso não quer dizer que você seja melhor do que o outro ou este melhor que você. Somos apenas diferentes.

E, antes de você afirmar qualquer coisa porque alguém te contou ou porque foi compartilhado em uma rede social, pare e retome a si mesmo. Quem é você de verdade? Será que, como ser humano, você vai contemplar a morte de outro ser humano, ainda que este ser humano seja o assassino de um irmão, pai ou mãe? Violência, raiva, ódio são reflexos do medo, inverso do amor. Talvez, se compreender o significado de amor, apreenderá o tudo.

Seria revolucionário se todos nós pudéssemos deixar de lado o virtual e fôssemos para sala de aula ao ar livre, para a rua, para a natureza, para a mesa de jantar, conviver com o outro, como gente humana.

Se todos os comunicadores pudessem compreender outras línguas antes de repassarem quaisquer informações a partir das traduções de outras, que também foram traduzidas, teriam tempo para pesquisar e deixar o superficial, a competitividade banal. Teríamos tempo para experimentar o outro e, assim, nossos conhecimentos ganhariam um tom mais humano.

Para mim, descobrir o essencial do ser é um ato revolucionário. É como escreveu Mário de Andrade: “Quero viver ao lado de gente humana, muito humana. Que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade.”

Se o Ser Humano fosse visto, ouvido e percebido, talvez pudéssemos ser menos arrogantes e mais predispostos a compartilhar com o outro a graça de estar aqui, o simples e essencial fato de apenas ser.

Fevereiro de 2017
Foto da autora

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