Os brócolis da Margot

A garrafa de vinho enchia as taças enquanto a conversa girava sobre comida a quilo, invenção tipicamente brasileira. Não se sabe como nem quando surgiu, mas o fato é que a moda pegou para valer.

Alguns elogiaram a praticidade, outros citaram a economia, até que a Margot, com a autoridade de quem aprendeu a cozinhar na Itália, onde morou por 18 anos, levantou a questão: “Mas como fica a qualidade, o sabor dos alimentos?”.

Imediatamente, lembrei-me do “bom e velho PF”. O prato feito pode vir já montado, como o próprio nome diz, ou então em pequenas bandejas, com tudo separadinho: arroz, feijão, macarrão, farofa, salada de alface, tomate e cebola, maionese e um tipo de carne. O importante é que tudo seja feito na hora, indo direto da cozinha para a mesa.

Em restaurantes à beira de estrada, o PF ainda é um companheiro dos motoristas. Meu pai sempre dizia: “Onde tem muito caminhão parado, tem boa comida”. Era assim que ele escolhia o local das nossas refeições, durante as viagens em família. Hoje, acho que caminhoneiro gosta mesmo é de comida gordurosa e, além do mais, me tornei vegetariana.

Mas voltemos à nossa conversa do início. Não foi para falar de caminhões nem de PF que comecei a escrever. Respondendo ela própria à pergunta, Margot explicou que, no sistema de comida a quilo, os alimentos são cozidos demais, e por isso, acabam perdendo o sabor.

Citou o exemplo dos brócolis: “Ficam molengos se a gente deixa muito tempo na panela. Assim como o macarrão, os vegetais também têm um ponto de cozimento, têm que estar al dente. E não tem segredo. É só dar um susto nos brócolis, que eles ficam crocantes e saborosos”.

“Dar um susto nos brócolis!” Essa frase não me saiu da cabeça. Fiquei imaginando o coitado sendo mergulhado na panela e colocando a cabeça para fora da água fervente, todo assustado. Mas também pensando em outras situações, em tudo aquilo que não pode passar do ponto. Como, por exemplo, a calda do pudim, o primeiro beijo, a bronca no filho e, por que não, um bom texto!

Escrever é como dar um susto no papel: colocar nele uma porção adequada de palavras; nem mais, nem menos. A crônica deve estar al dente. Se passar do ponto, pode deixar o leitor empanzinado. Ela deve ser saboreada como uma boa refeição. A gente fica satisfeita, mas com um leve gostinho de “quero mais”.

(Dezembro de 2013)

Foto: Edsandra Carneiro
Publicada originalmente em outubro de 2015, esta crônica foi inserida na edição n. 30 da série Escritos de Vitória, cujo tema foi “Sabores da Iha”.
Eu, Cristina Fagundes, escrevo quinzenalmente, aos domingos.

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