Sa-ba-ti-na

Era uma turma da pesada. Aliás, mais de uma. Naquele colégio, todos os alunos brigavam pelo poder. A direção da escola, então, desenvolveu sistemas para tentar equilibrar a influência de um grupo sobre o outro. Manter ordem e progresso era a bandeira da instituição.

Um dos métodos foi delegar às turmas a aprovação do futuro candidato a entrar na instituição. Além de examinar o currículo escolar, o novato era sabatinado. Se aprovado, seria matriculado, mas em outra classe diferente daquela que o sabatinou.

Esse era o segredo do equilíbrio. Constava do regimento interno: “As turmas são independentes e harmônicas entre si.” A teoria era boa, mas, na prática, às vezes a coisa embolava.

Apareceram uma vaga e um novo aluno ansioso por preenchê-la. O grupo escolhido para a sabatina queria dificultar e começaram os conchavos.

— Seguinte: o candidato tem conhecimento. Vamos aprovar o cara, mas não por unanimidade. Toda unanimidade é burra.

— Isso!

— Isso!

— Isso!

Concordaram rapidamente todos.

— Então — continuou o garoto mais travesso —, daremos uma canseira nele só para ficar claro que a gente não está muito satisfeita com a administração da escola. Essas sabatinas duram em média três horas, certo? Que tal a gente estender a dele para seis horas?

— Nove horas! — berrou outro aluno.

— Dez!

— Onze!

— Doze!

Doze? Até os mais malvados acharam muito. Fecharam em onze horas e meia. Combinaram que se revezariam. Quem aguentaria ficar sentado numa sala por tanto tempo? Nem o melhor dos CDFs. O mais ardiloso levantou uma questão de ordem.

— O que tanto vamos perguntar?

Ninguém soube responder. Combinaram que cada um prepararia um rol de perguntas com o objetivo de deixar o candidato em dificuldades.

Chegou o dia da sabatina. A direção fazia questão de dar um ar solene a essas ocasiões. Palco armado, auditório lotado, tudo pronto para o show. Começaram as perguntas que eram tão variadas quanto as travessuras aprontadas pelos alunos.

— Sua excelência poderia nos dizer qual a diferença entre o sapo, a rã e a perereca?

— Que nome se dá ao aramezinho que prende a rolha à garrafa de champanhe?

— Por que os pilotos camicases usavam capacetes?

Havia os que queriam testar o raciocínio lógico.

— Nobre, candidato. Considerando que, conforme envelhecemos, perdemos nossa acuidade visual, me responda: por que os livros infantis têm letras tão grandes e as bulas de colírios para vista cansada têm letrinhas tão miúdas?

— Por que as pessoas apertam com mais força os botões do controle remoto quando as pilhas estão fracas?

— Por que “já” significa agora e “já, já” significa daqui a pouco?

Há os que se importavam com atualidades.

— Qual o valor do seguro das pernas da Claudia Raia?

— Qual foi, a seu ver, a melhor edição do BBB?

— Quantos sinais de transito têm a cidade de São Paulo? Aliás, reformulando a pergunta. Por que há tantos sinais, se o transito não anda mesmo?

Uns se interessavam pelo comportamento do candidato.

— O senhor já fez xixi na piscina?

— O que acha de pessoas que falam com o senhor pela primeira vez e já lhe chamam de amor ou querido?

— Acredita que existe amizade entre homem e mulher?

Outros queriam ver o candidato corar.

— Sua mãe é casada com seu pai?

— Já beijou quantas ou quantos numa noite de balada?

E com o jornalzinho e a TV da escola registrando tudo, era comum também os que, mais do que perguntar, queriam exibir seu domínio da Língua.

— Senhor, candidato. Uma mafagafa tem sete mafagafinhos. Quando a mafagafa, gafa, gafam os sete mafagafinhos. Então, me diga: por que a mafagafa gafa?

O candidato, justiça seja feita, saiu-se bem. Só não foi aprovado com louvor porque deixou uma pergunta sem resposta. Foi quando um dos alunos, apontando para o retrato da presidenta do grupo escolar, pendurado na parede, perguntou:

— Afinal, o que quer essa mulher?

(Outono de 2015)

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