As corujas de Pirenópolis

Os olhos de Eduardo enchem de lágrimas quando lembra o que aconteceu na madrugada de 5 de setembro de 2002, o dia em que pegou fogo a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, a matriz de Pirenópolis, a segunda cidade mais antiga de Goiás.

Eduardo é o guia, recebe os visitantes e apresenta o monumento para os turistas. A história é relembrada em detalhes. Impossível não se comover. O jovem conta que as chamas destruíram 90% da igreja e 100% dos corações do povo da cidade.

O incêndio foi criminoso, mas nunca se descobriram os autores. Imagino que as labaredas tenham sido tão fortes a ponto de apagar qualquer vestígio que pudesse dar pistas para a polícia.

Fico ouvindo a narração de Eduardo enquanto admiro a beleza da construção. Ela começou a ser erguida em 1728, por escravos. Séculos de história viraram cinzas. Que triste… O trabalho de recuperação durou três anos e meio e foi coordenado pelo Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

No fim das obras, deu-se conta de que faltava o principal: o altar. Como reabrir assim? – a população se perguntava. Afinal, uma igreja sem altar é como uma pessoa sem alma. Técnicos do Iphan, membros da comunidade, padres, todos se reuniram para tentar encontrar uma solução.

Até que alguém se lembrou do altar de outra igreja, a de Nossa Senhora do Rosário dos Negros, destruída em 1944 por ordem da Diocese. Na época, um padre conseguiu esconder a preciosidade, que ficou intacta.  Seria um casamento perfeito: um altar sem igreja e uma igreja sem altar. E assim, as missas voltaram a ser celebradas na matriz.

Mas um vazio não pôde ser preenchido. Meus olhos se voltam para Eduardo quando ele fala das corujas que moravam por lá e morreram queimadas. Elas ocupavam um local no alto da torre – o “corujódromo”. Fugiam do frio da Argentina para se aquecer ao calor tropical no coração do Brasil.

Durante o dia, as aves passeavam pela cidade e voltavam à noite. Antes ir para casa, no fim do expediente, Eduardo trancava a porta do compartimento onde as corujas dormiam. Por isso, elas não conseguiram escapar do incêndio.

A vida das aves não tem preço, não pode ser retomada por nenhum projeto de restauração. Ficaram apenas as lembranças. Uma delas faz Eduardo trocar as lágrimas pelo riso.

Num belo dia, durante a missa das seis, os fieis foram surpreendidos por uma gritaria, um pio tão alto, que competia com o sermão do padre. Ninguém conseguia descobrir de onde vinha o som. Até que alguém viu uma corujinha voando pelo interior da nave. Parecia brincar e achar graça por ter interrompido a missa. Foi um custo para ela sair dali.

Por essas e outras histórias, vale a pena conhecer Pirenópolis e visitar a Igreja Matriz. E, ao entrar, não deixe de olhar para o alto. Quem sabe, você pode encontrar uma corujinha perdida, anunciando a chegada de novos visitantes.

(Janeiro de 2014)

Foto gentilmente cedida pela Ascom – Prefeitura de Pirenópolis.

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