Números

Sempre fora ruim com números. Na infância, decorara a tabuada, estudara as frações, mas, dia de prova, noves fora nada! Adaptou-se à vida adulta graças aos japoneses. Aqueles anjos da guarda inventaram a máquina de calcular.

Tinha consciência de sua dificuldade. Às vezes, calada, tentava contas simples de cabeça. Na loja de 1,99, comprou duas peças, pagou com uma nota de cinco e, pelos seus cálculos, receberia um real e dois centavos. A caixa, no entanto, entregou a moedinha de um real já aos berros de “Próximo!”.

Ficou à espreita, observando o movimento. O senhor logo atrás carregava um rodo de 1,99. Entregou uma nota de dois reais. A caixa pegou o dinheiro e passou o rodo. Nenhum troco.

Saía triste de situações assim. Não conseguia acertar um simples troco. Pela naturalidade de todos, o óbvio era que ela é quem estava errada. Não ia brigar. Nunca ganhara discussões envolvendo números. Certa vez, num bar com amigos, o álcool começando a fazer efeito, quase perde uma amizade.

Não conseguia entender como a amiga comprara um apartamento por um valor, já tinha pago a metade e estava devendo o dobro. Pediu a saideira.

Mas sua dificuldade com números, no entanto, não se limitava a contas.

Quando fez um cruzeiro, e o navio começou a se afastar lentamente da terra, ouviu, pelo alto falante, o anúncio de que o cassino já estava aberto. Tinha lido, no diário de bordo, que jogos só eram permitidos a partir das 200 milhas. Olhou pela janela e ainda conseguia enxergar as pessoas no porto. Pela sua percepção, não estavam nem a dois quilômetros da costa. Entretanto, pelo barulho dos caça-níqueis,deveriam estar a pelo menos 200 milhas.

Calcular distâncias também não era seu forte, deduziu. Ainda bem que, para o dia a dia, não precisava saber raiz quadrada, Máximo Múltiplo Comum, Máximo Divisor Comum, valor de Pi. Conformara-se. Nunca entendia aquela sequência 3,1416… Gente do céu! Que piração é isto?

De vez em quando, no entanto, a falta de intimidade com a Matemática apresentava sua conta.Tinha acabado de desligar a TV, preparava-se para dormir e o marido, puxando a coberta, reclamou:“Você é muito espalhada. Sua metade na cama acaba maior. Assim, eu não consigo pregar os olhos.”

Mas, se é metade, como pode ser maior? Pensou em retrucar. Entretanto, ciente de suas limitações matemáticas e espaciais, ficou quieta. Já tinha ouvido equações mais esquisitas do companheiro. Como quando casaram e ele, romântico, afirmou que, a partir daquele momento, eles dois seriam um.

Lembrou, com um sorriso, que teve vontade de sair correndo, mas superou.

Naquela noite, tentando diminuir sua metade na cama, perdeu o sono. A solução para o problema era esperar amanhecer. Nada podia fazer. Afinal, ela nem carneirinhos ousava contar.

Foto: Google Imagens.

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