Carrinho Esperto

Puf! Não entendo de mecânica, mas entendo de barulho. E este tinha vindo do meu automóvel. Caramba! Depois de um dia de batente, o carro ainda iria me dar trabalho. É noite e estou numa avenida movimentada, porém barra pesada.

Estacionar, só se o veículo resolver fazê-lo por conta própria. Não me arrisco. Reduzo a velocidade, mas continuo avançando na quilometragem da minha ignorância. Nem um posto de gasolina à vista. Tiro um pouco as mãos do volante para ver se ele “puxa” para algum lado, indicando pneu furado. Esse truque é o ápice do meu conhecimento técnico.

— Puxa, carrinho! O que houve? — pergunto.

Ele parece entender, e responde acendendo uma luz verde, piscando a palavra “Eco”. Hum… Há mesmo um sistema de economia embarcado.

Eco… Eco… Eco… É bem apropriado o fato de a palavra aparecer repetidas vezes. A constatação me faz sorrir. Uma luz verde não deve representar nada sério.

Sigo ligada. Olho de novo o painel e agora vejo uma luz vermelha. Esqueço o diálogo com o “possante” e procuro interlocutor melhor:

— Meu Deus! Me ajude a chegar a um posto.

A luz vermelha se apaga e interpreto como um “Ok! Vá em frente.” De fato, cruzo a avenida e encontro um posto salvador. Aleluia!

Entro no posto, desligo o motor e saio, para dar uma olhada. Não encontro nada. Claro! Nem sabia o que procurava. Volto para o carro e ele não pega mais.

Atencioso, o rapaz da seguradora, ao telefone, pergunta se precisava de um taxi e se estava em lugar seguro. Lugar seguro? Acho graça da pergunta. Se respondesse “Não!”, ele iria fazer o que? Mandar a Swat até lá?

— Amigo! São quase nove da noite, e o posto fecha às 10. Por favor, seja rápido! Pode deixar que eu avalio bem seu atendimento.

Olho para o meu companheiro do dia a dia desolada. Nunca tive interesse por autos. Esse que tenho, no entanto, me fisgou. Foi numa viagem à Europa. Rua movimentada, trânsito intenso, passou veloz. Dobrou a esquina e sumiu. Desaparece rápido porque é pequeniníssimo. Me apaixonei naquele momento.

— Que lindo! — gritei.

— É de fato um belo monumento — concordou o turista ao lado.

Quando começou a ser vendido no Brasil, o pequeno chegou com preço de gente grande. “Com essa grana você compra um inteiro” — brincavam os amigos.

O mercado tratou de ajustar o valor e não resisti. Era o mais lindo já visto e também o menor. De fato, cabem apenas duas pessoas e o porta-malas só dá para as compras do mês para quem faz dieta. Não tem nem estepe.

Fé é isso! Colar adesivo “Guiado por Deus” com pneu sobressalente na mala é mole. Uma revista especializada o adjetivou de simpático. Outra, de esperto, numa referência ao nome em inglês.

Cabe em qualquer vaga. Mesmo sendo automático é econômico. Pequeno por fora, é  espaçoso por dentro. Seu design é algo à parte, por onde passa, desperta interesse.

Não foi diferente naquele posto. Uma mulher sozinha com um carro quebrado faz de qualquer homem um Einstein dos motores.

— O que houve? — perguntou o frentista.

Explico.

— Assim, de repente? — questiona, olhando desconfiado.

Como mulher já nasce culpada, me peguei pensando o que tinha feito ou o que deixara de fazer para meu carrinho ter esse piripaque.

— Abre aí para a gente dar uma olhada — ordenou.

Nisso, apareceram mais três “mecânicos”. De certa forma, aquele movimento fazia me sentir mais segura. Mas, cadê o reboque?

Sentei no banco e busquei o botão, a alavanquinha ou sei lá como se chama a peça que abriria o capô. Quem disse? Não sabia como abrir. Do lado de fora, os homens me olhavam sem entender a demora. Não tinha a menor ideia de como sair daquela saia justa. E esse seguro que não chega!  Eu disse ao atendente que não estava segura! Help! Cadê o socorro?

Quase entrei em desespero. Tanto sutiã queimado, tanta briga por igualdade e sou uma mulherzinha que não dá conta de fazer uma coisinha simples como aquela!

Perdão, Rose Marie, Betty, Camille, Virgínia, Chiquinha. Perdão, mulheres boas de briga, mas, sem graça, assumi minha ignorância do pior jeito. Decidi afrescalhar e fiz o tipo morena-tonta:

— Ai, geeente! Não acho o botãozinho.

Os cientistas entreolharam-se.  Deixei com eles. Entrou o primeiro, o segundo e mais outros entendidos sentaram no banco do motorista. Ninguém encontrou a tal alavanca.

Em segundos, passaram a me olhar com mais respeito. Com a autoestima recomposta, recordei o ritual da entrega do carro na concessionária. Aquele momento em que é preciso memorizar, em minutos, o que eles levaram uns três dias em treinamento. O pensamento do comprador é um só: na dúvida tem o manual. Mas, quem lê manual? Pior: quem anda com ele no porta-luvas?

Tudo no meu fofinho é pequeninho. Entre levar a publicação e um estojo de primeiros socorros equipado com batom, rímel e escova, não tenho dúvidas. Aquele livro fica na estante, em casa. Ainda assim, lembrei-me de terem falado algo sobre um botão do lado de fora, no gradil, embaixo do capô. Começamos a procurar.

Um mulato forte decifrou o enigma e a tampa abriu, quase devorando-o. Oh! Uma bateria e outras cositas más brilharam na escuridão. O mulato olhou, olhou e deu o veredicto:

— O motor fundiu!

Não é possível. Esse carro é novo, pensei. Os outros concordaram com o diagnóstico. A conclusão dos doutores foi de que um motor tão pequeno não podia mesmo funcionar bem.

— Esses carros são engraçadinhos. A pessoa compra pela beleza aí se dá mal — sentenciou um dos sábios, fechando a questão e o capô. A pessoa, no caso eu, agradeceu a atenção de todos e aliviada viu que o reboque chegara.

Carro recolhido, fui para casa. No dia seguinte, me dirijo à concessionária e a atendente logo me tranquiliza. Apenas a correia havia estourado. A troca fora realizada e o carro estava pronto.

— Engraçado! Ontem, abrimos o capô e, não me lembro de ter visto nenhuma correia.

Ela sorriu e informou:

— Claro! O motor deste carro não fica sob o capô e sim na parte traseira.

Êta carrinho esperto! Não deixou nenhum curioso mexer nele. E enganou todo mundo.

(Verão 2014)

Foto: Google Imagens