Facebook: papo reto

— Por que não posou de burca?

A ironia do amigo chegou com a solicitação de amizade no Facebook. Sou comunicativa e adoro novidades. Mas, quando entrei no Face, o jogo já ia adiantado.

Minha página, no início, não tinha nem foto.

Procurando amigos deixados na cidade natal e parentes do outro lado do oceano (a motivação inicial), me dei conta das dificuldades. Quem é que sabe o nome completo de tanta gente? Não tinha jeito, precisava ficar mais identificável se também quisesse ser encontrada. Mas, postar uma foto?

Não era timidez. Trabalhei muitos anos como repórter de televisão no Rio de Janeiro e, não raro, entrava em matérias nacionais. Mas a natureza do trabalho justificava a exposição. No Face, a pegada é outra. Possivelmente, esse é um sentimento que atinge apenas aos que estão há mais tempo na Terra. Mas não demorou muito e acabei sucumbindo.

À época, dançava o flamenco e a solução, que mantenho, foi posar com um leque, cobrindo parte do rosto. Mezo exposição, mezo burca. Amigos me identificariam. E, para quem nunca me havia visto, permaneceria uma desconhecida ou uma estranha. A louca do leque, quem sabe?

Ainda que reservada, gosto de construir pontes e aproveitar tudo que a modernidade oferece. Estou, sim, disposta a dar uma dica de um lugar novo, a dividir um pensamento que me impactou, uma imagem bacana, a conhecer pessoas. Também gosto de acompanhar os amigos de jornada.

Reconheço as inúmeras vantagens das redes sociais e não tenciono sair tão cedo, mas vamos devagar com o andor. Há muito exagero. Embora saiba da monitoração que sofremos, essa incrível ferramenta de comunicação é que tem que me servir, e não eu a ela.

Comportamentos mudam, a sociedade muda. Mas me causa desconforto uma certa colonização da rede que dita padrões de conduta que parecem ser inspirados e moldados pelo mercado para receber curtidas ou compartilhamentos.

Estabeleci, meus limites. Não estou disposta a ter um milhão de amigos. Não falo, evidentemente, de quem usa o Face para negócios. Trato de páginas pessoais. Então, para que tanta gente? Para ter uma timeline congestionada e deixar passar notícias de quem realmente importa? Um milhão de amigos? Deixa isso para o Roberto Carlos.

Não estou disposta a publicar todas as minhas viagens, jantares e festas para mostrar ao mundo como sou feliz. Gosto muito disso tudo, mas, para mim, a felicidade mora em outros lugares e não é um sentimento que precisa ser espetacularizado.

Não estou disposta a postar minha intimidade para ter uma existência socialmente reconhecida. A ordem do dia impõe uma nudez física, social e psíquica de monta. Será que virou virtude expor o privado? Minhas melhores histórias, vivo no meu palco particular. Posto, logo existo? Não, não estou disposta.

Quando foi mesmo que deixamos de ser simples consumidores e nos transformamos em produtos, apresentando-nos sempre atraentes, em situações que agregam valores?

Definitivamente, não estou disposta a virar mercadoria. Sou um ser humano que tem uma natureza alegre, e está feliz no que vem se transformando com o passar dos anos, mas que também dá defeito. E está bom assim.

Ah! E para aqueles que insistem: não estou disposta a compartilhar correntes.

Por último, fique tranquilo, leitor, não solicitarei a você que curta ou compartilhe esse texto.

Martha Aurélia Gonzalez escreve, quinzenalmente, às quartas-feiras

Imagem: illuminatimaldita.blogspot.com.br

(Primavera, 2015)

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