Sabor Integral

Não sei se acontece com você, mas, de vez em quando, tenho vontade de comer determinada coisa e, tal qual uma mulher grávida, só serve aquela.

Não há espaço para negociação. Deu vontade de comer chocolate? Só quero chocolate. Não adianta vir com mais nada pra mim: é chocolate, e pronto!

Pudim: não! Doce de leite: não! Fruta? Ah, vai!, estou falando sério.

A vontade é precisa ou sou eu que preciso saciar a vontade? Não sei. Só dá para responder com a boca cheia.

Mas, unipolar na gula, o contrário também ocorre. De quando em vez, a vontade é de mastigar algo que não consigo identificar. E, em busca de ajuda, alugo o ouvido do próximo.

— Não sei o que quero comer.

— Doce ou salgado? — é a sequência clássica de quem tenta ajudar.

Até bem pouco tempo, era batata! Uma volta pelo supermercado resolvia o enigma “Decifra-me e devoro-te”. Antes, quando se comprava um pacote de pão, o pão tinha gosto de pão, o macarrão, de macarrão, e assim por diante. Hoje, complicou.

Passo pela gondola das batatas fritas e, entre outras novidades, está lá: sabor churrasco. Oi? Quando você compra uma batata frita, em tese, está com vontade de comer batata frita. Se o desejo for por churrasco, não vai ser um pacote de batata a dar conta disso. Atire o primeiro coraçãozinho quem pensar diferente!

E, se não se sabe bem o que se procura, piora. Uma comida com paladar de outra alimenta sua dúvida, não seu estomago. Isso, no entanto, já virou rotina nas prateleiras dos mercados.

Não falo dos temperos, condimentos e variedades como “batata frita com salsa”, “azeite com especiarias”, “sal com limão siciliano” etc. Refiro-me ao petisco ser vendido com o gosto de outro, como “biscoito sabor pizza”. Que pizza? Se for quatro queijos é biscoito de queijo; se for de presunto, vale o mesmo raciocínio. Então, que história é essa de “sabor pizza”? Mezzo enganação, mezzo desfaçatez.

Mais esquisito do que engolir uma coisa com gosto de outra é encontrar, na Seção de Biscoitos, “biscoito sabor integral”. Isso mesmo! O biscoito não é integral, finge que é. Pelas fibras da Nossa Senhora da Quinoa, o que leva alguém a comprar comida integral?

Particularmente, gosto de alimentos integrais. Mas, a primeira motivação para isto — acredito: com muitos é assim — vem da busca pela saúde e não do sabor. Você opta por algo saudável e aí encontra um gosto bacana. Ótimo. O alimento é menos refinado, tem mais fibras, menos açúcar etc.

Então, por qual razão um biscoito cheio de gorduras trans, açúcar e sódio, que, de integral, só tem o escrito na embalagem? Qual é a vantagem de comer um troço assim? A quem ele irá agradar?

O consumidor mais heavy metal vai preferir um baconzito e o bossa-nova, o verdadeiro integral com todos os seus benefícios. Não consigo identificar o público-alvo de um produto desses.

Trata-se de um fingidor? Finge tão completamente que chega a fingir ter sabor a gordura que deveras sente. Quer enganar a quem? À nutricionista? “Biscoito, doutora? Só integral.” Excluindo essa hipótese, parece má fé das indústrias. Tentam vender gato por lebre. Produtos integrais têm preço mais alto.

A receita é simples: encha uma massa de aditivos químicos e deixe-a descansar. Quando crescer, aproveite o embalo e aumente também o preço. Enrole tudo em uma embalagem com cara de produto saudável. Isso dá uma áurea de qualidade. Pronto! Esta é apenas mais uma das fórmulas da enganação com que nos deparamos no dia a dia.

Confesso: mesmo acostumada a ter o dissabor de ver química sendo vendida como comida, um biscoito cheio de farinha branca tentando seduzir o consumidor pelo sabor integral é difícil de engolir.

Martha Aurélia Gonzalez escreve, quinzenalmente, às quartas-feiras

Imagem; comercomosolhos.blogspot.com

(Primavera, 2014)

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